Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Enquanto nesta vida

Enquanto nesta vida

É possível, com subterfúgios mil,

Esquecer-se (...) não pensar,

Fechar-se em imaginações (...)

Mas na morte — oh horror que mais eu temo! —

O grande Facto iniludível jaz.

Este perpétuo, dorido hesitar

Do pensamento temo e (...)

Não me horroriza tanto, como o ter

De resolver na Morte esse problema.

O Mistério é um Facto: eis o horror,

Eis todo o horror expresso.

É um Facto no qual vida, universo,

Seres, (...)

Cidades com seus comércios, lidas

É um livro de sonho aberto.

Proporções gigantescas e interiores

Tomam do sonho a ilusão e a aparência.

Não é a dúvida que me tortura;

É a certeza do (...) Facto,

Para o qual me é impossível ou cerrar

Ou pensar em cerrar os olhos d'alma.

E a existência desse Facto inerente

A tudo que aparece e que (...)

Uma irrealidade transparente,

Horrorosa, (...) perturbadora,

Onde mão invisível vai escrevendo

Desconhecido lema suspeitado

De horror inconcebido.

A consciência clara deste Facto,

Mais que imanente, alheia-me de tudo

E de todos, raivoso e (...)

Ao vê-los como vão, rindo e chorando

Felizes! — outros

Não haverá maneira d'esquivar-nos

D'encontrar o que houver?

É haver esse Facto e encontrá-lo

Que faz o horror da minha vida inteira

(Olhei de frente a frente a Verdade

Para poder sequer fingir sorrir.)

Pudesse eu a sonhar passar a vida

Mas ao Facto (...) da Morte

É impossível fugir. Queira, não queira,

Acorrentado à inevitabilidade

O homem sobe inconsciente ou (...)

Para ela.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 135.