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Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

Depois de não ter dormido,

Depois de não ter dormido,

Depois de já não ter sono,

Interminável madrugada em que se pensa sempre sem se pensar,

Vi o dia vir

Como a pior das maldições —

A condenação ao mesmo

Contudo, que riqueza de azul verde e amarelo dourado de vermelho

No céu eternamente longínquo —

Nesse oriente que estragaram

Dizendo que vêm de lá as civilizações;

Nesse oriente que nos roubaram

Com o Conto do Vigário dos mitos solares,

Maravilhoso oriente sem civilizações nem mitos,

Simplesmente céu e luz,

Material sem materialidade...

Todo luz, mesmo assim

A sombra, que é a luz da noite dada ao dia,

Enche por vezes, irresistivelmente natural.

O grande silêncio do trigo sem vento,

O verdor esbatido dos campos afastados,

A vida e o sentimento da vida.

A manhã inunda toda a cidade.

Meus olhos pesados do sono que não tivestes,

Que amanhã inundará o que está por trás de vós.

Que é vós,

Que sou eu?

5-9-1934

Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

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