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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Comparação da Alemanha com Portugal...

Sociologia, etc.

Comparação da Alemanha com Portugal no que respeita à sucessão dos “períodos”. A sucessão na Alemanha tem sido manifestamente C. A. (B). Temos no primeiro período um movimento de ordem activa, com o seu máximo representante em Lutero. Temos depois, no período seguinte, um movimento de ordem intelectual, cujas figuras culminantes são Goethe e Kant, e que no seu período construtivo prático teve por figuras (antes, Frederico II da Prússia), (depois) o chanceler Bismarck. Estudar, neste assunto, o movimento romântico alemão, comparando-o ao movimento saudosista. Notar as diferenças, o carácter talvez mais profundamente nacionalista do movimento português. — Dar-se-á o caso curioso de as duas evoluções se fazerem em sentido inverso, isto é, de o movimento saudosista vir antes da culminância do período literário, ao passo que o romantismo alemão veio depois? Isto, se assim é, o que significa? Compará-lo com o caso, parecido, do trajecto aparentemente inverso do nosso período (suposto) A com o período A inglês que acaba na Revolução. — Estudar bem a formação do período A literário na Alemanha, e do p[eríodo] A em Portugal. Estudar também o correspondente movimento social. — Reparar que o que Frederico II fez, embora seja importante sob o ponto de vista da narração histórica, visto que a Prússia era importante, não parece importante sob o ponto de vista civilizacional. A que corresponde esse período entre nós? Realmente o que fez Frederico II? Valorizou a Prússia para si própria. Deu-lhe a base nacional para toda ulterior evolução e criação de uma hegemonia. Que período nosso corresponde a esse? As guerras liberais? A Revolução de 1910? Possivelmente, e possivelmente o movimento “liberal” geral que começa num e acaba no outro destes elementos. O facto é que a Revolução trouxe em verdade uma base nacional para qualquer obra futura. Frederico II não fez nada melhor no que criador. — Em Portugal há um movimento de ordem activa culminando nas descobertas. A esse segue-se o movimento literário que Camões representa supremamente.

Será o seguinte o esquema sociológico dos períodos A: (?)

a) Consolidação do sentimento nacional por uma manifestação activa, de ordem útil para o interior da nação apenas;

b) Consolidação total do sentimento nacional e expressão integral dele por um movimento literário e artístico próprio e supremo.

c) Consolidação criadora e exterior da nacionalidade por uma exposição nacional de uma ideia política (ou religiosa) criada, acrescentada à civilização.

A Alemanha é talvez a maior das nações “distribuidoras” de civilização. As distrib(uidoras) seriam pois: Alemanha, França, Espanha. Todas as nações compostas.

Mas a Itália? Não é composta também? E a Inglaterra? Só Portugal é que o não é? E não são simples as nações de outra ordem civilizacional — Suécia, Holanda, etc.?

Comparação do disciplinismo de Goethe com a obra integradora de Bismarck, com o carácter disciplinado do povo alemão.

Que criou a Alemanha em C? — A atitude protestante.

(?) Recordar Lutero. Que criou então a Inglaterra? Essa, por certo, o parlamentarismo. E nada sob o ponto de vista religioso? (Qual a função exacta do fenómeno religioso? O puritanismo, ao justo, o

que vale, não só em si, como civilizacionalmente?)

Que criou a Al[emanha] em A? — Em filosofia o criticismo. Em literatura o romantismo. Em política, o quê? O critério de disciplina social, talvez...

Reparar que em C o que a Alemanha criou não deu fruto puramente filosófico. Deu fruto puramente religioso e por assim dizer popular — o protestantismo; ao passo que em A, o que a Alemanha criou de religioso, de atitude religiosa, teve correlativo fruto no pensamento puro, o criticismo.

Portugal — Em C criou o cosmopolitismo, pelas descobertas. O génio português, pode-se concluir, é eminentemente cosmopolita, ou cosmopolitizador. O da Alemanha, essencialmente de pensamento e religião, criou, através de Lutero e dos reformadores, uma atitude religiosa.

Em Inglaterra, Bacon, em A. Criação da atitude científica conscientemente tal. Depois, no campo político, criação do parlamentarismo. (Finalmente, no campo religioso, criação...)

Carácter do povo português:

Individual — a ternura caracteriza-o essencialmente.

Social — o seu cosmopolitismo, o seu poder de sintetizar em si todas as correntes estrangeiras, como os descobridores.

(Mas não houve síntese mais completa na Inglaterra? Houve, mas aí foi uma síntese psíquica, dos elementos psíquicos. Em Portugal, em C, foi uma síntese dos movimentos activos, práticos, da Renascença. A Itália contribuiu com a síntese dos movimentos artísticos (?)

Inglaterra e Itália — A; B: C (Itália será AB ou AC?)

Portugal e Alemanha — C: A: B

Espanha: A. B. C (??)

França: B. A. C.

Combinações possíveis: ABC — ACB — BAC — BCA—  CAB — CBA

Haverá uma nação para cada uma destas fórmulas, e será isto, por ex., certo

(NB — a Alemanha):

ABC — Inglaterra.

ACB — Itália.      Não: e a Espanha e a França?

BAC — Alemanha.

s.d.

Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.

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