Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

Seja: / Já que este audaz e imenso pensamento

                                                Seja:

Já que este audaz e imenso pensamento

Me desliga de tudo e me faz negro

Estranho e alheio à existência humana,

O riso, o pranto, o amor,

Visto que tudo me é estranho e outro

E eu isolado estou, já que não sei

Onde a causa ou a essência disto tudo,

Já que conheço que essa íntima essência

Foge do nosso sentimento e que eu

Não a posso odiar, amar, sentir-me

Para com ela,

Odeie o que odiar eu possa, odeie

Este universo todo, de que sou

Isolado, arrancado, desligado,

Com que doridamente coexisto

Sem o compreender nem conceber

Nem amar. Suba a ele o meu ódio.

Sóis, estrelas, natureza inteira

Sou vosso inimigo d’alma todo

(...) o meu ódio todo contra vós.

Só de o dizer sinto-me mais frio e negro

Na consciência de mim. Se ainda nutro

Resto ou lembrança de alegria ou dor

Renego-a e tomo sobre mim o luto

Do      [...]     ódio infinito

Ao universo inteiro.

                               Para quê

Nascer homem,     (...)

(...)        em mim

Os meios e (...) de sentir (

Cérebro e coração e sangue e vida (

E achar-me longe, negramente longe

Do sentimento?

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 109.