Mas uma civilização de tipo individualista,
German War etc.
Mas uma civilização de tipo individualista, espalhada por um extensíssimo território, forçosamente devia adquirir um vinco especial. O próprio factor individualista devia tomar o cunho nacionalista, quando consideramos as diversas raças inclusas no âmbito do império romano. E o próprio facto de existirem essas raças, preexistente a qual tipo civilizacional, devia, já, impelir para um tipo individualista, não agora, pelo reflexo do individualismo nas nações, mas, ao invés, pelo reflexo das nacionalidades nos indivíduos.
A civilização actual nasceu do desmembramento do Império Romano. [Ao] Dizer que ela nasceu do desmembramento desse Império importa dizer que ela nasceu da decadência do Império Romano. Isto é, tomou por suas características fundamentais os traços típicos de decadência do Império Romano. Durante a Idade Média foi pouco a pouco eliminando o que nesses característicos da decadência romana era realmente decadência, ao passo que ia fortalecendo e estabelecendo o que neles era a individualidade deles, descontada a parte de decadência que continham, e que eram, e que era apenas decadência em relação ao estado civilizacional anterior, que era Roma, e não em relação ao estado civilizacional futuro, que é o nosso, e que, por ser baseado nesses próprios característicos, os torna, em relação a si, não característicos de decadência, mas, ao contrário, verdadeiras bases, normais e hígidas da sua estrutura e tipicidade civilizacional.
A desagregação do Império Romano devia produzir determinado número de fenómenos, fenómenos esses estranhos à psique fundamental de Roma (fosse essa psique devida ao que fosse), e provenientes do factor Império, sobreposto ao factor Roma.
O Imperialismo Romano difere de todos os imperialismos antigos. Em quê?
De que elementos era constituído o Imperialismo Romano? Isto é, o que levava ele consigo, explícita — ou implicitamente, até onde chegava e se estabelecia?
Esses elementos eram três: (1) a cultura grega — esse era o fundo e a base, porque (a) foi ao contacto dela que se definiu como tipo civilizacional a índole, até ali meramente guerreira, de Roma, o imperialismo até ali puramente de conquista, tornado depois de cultura. O próprio direito romano não é senão um produto da combinação do pensamento grego e da experiência romana. (2) A índole romana, profundamente administrativa e organizadora. (3) O cosmopolitismo. O cosmopolitismo está imanente em todos os imperialismos e na acção de todos os impérios. Mas o cosmopolitismo no império romano difere de outros no seguinte: (a) era um cosmopolitismo localmente organizado, em virtude da influência da índole administrativa de Roma. (b) Era um cosmopolitismo permeado, em todas as suas secções, não só por um tipo de administração, mas por um tipo de cultura, cujos elementos vinham através da língua falada e dos pensamentos contidos na índole definida de tal língua; aqui se vê o papel da cultura grega no imperialismo romano. (c) Era um cosmopolitismo reunindo e enfeixando uma heterogeneidade extraordinária de raças, extremamente diversas entre si, as quais não consistiam em meras hordas de meros bárbaros, mas em criaturas com esboços definidos de pré-civilização — aptas portanto a receber plenamente a influência romana, e aptas a adaptá-la a si segundo as respectivas índoles. Neste cosmopolitismo Roma enfeixou três tipos de raças: raças puramente bárbaras e atrasadas, incapazes de receber a civilização que o Império lhes dava, e que tarde ou cedo haviam de soar falso adentro da psique imperial; raças relativamente aptas a receber essa civilização, como as que existiam nos lugares que hoje ocupam as nações da Europa; e raças que haviam já tido uma civilização sua, como a Grécia, a Palestina e uma parte da África Setentrional (?).
Quando se deu a dissolução do Império Romano, algum fenómeno geral se havia de dar que marcasse bem a existência de tal dissolução. Esse fenómeno foi a religião cristã .
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
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