Cap: A GUERRA PRESENTE
Cap: A Guerra Presente
Os capítulos antecedentes habilitaram por certo o leitor a ver, com a precisa nitidez, qual o íntimo sentido desta guerra. Ele terá visto, guiando-se pelas explicações que tenho ido desdobrando, que nesta guerra, como causas, andam envolvidos elementos de três ordens.
No fundo, esta guerra, com o todas as grandes guerras, é uma guerra religiosa. Digladiam-se, pela primeira vez, claramente, na civilização moderna, as forças pagãs renascentes e as forças cristãs na decadência. Porque esta civilização é uma civilização cristã, e porque, por isso mesmo, onde está o espírito cristão, está uma maior adaptação às circunstâncias civilizacionais, é natural que a Alemanha seja derrotada. O carácter à parte da sua civilização, precisamente porque à parte, isola a nação que o criou, e coloca-a na contingência de erguer o mundo inteiro contra si, o que é quase uma indicação de derrota.
Mas, se a Alemanha se encontra menos adaptada do que qualquer outra nação presente às condições modernas (cristãs) de civilização, não esqueçamos ver que ela se encontra adaptada a mais fundamentais condições, de que as actuais de civilização. A Alemanha está de acordo com as condições fundamentais da vida social; a essas se adaptou.
Mas esta guerra, fundamentalmente religiosa, é, por fora disso, civilizacional. Digladiam-se dois tipos cristãos de civilização — o tipo imperialista, e o tipo sentimental. Porque a Alemanha, pertencente a um tempo de civilização cristã, não podia, por pagão que fosse o seu espírito, sequer viver se não se apoiasse em determinados elementos do espírito cristão. Apoiou-se no mais pagão de todos — o imperialismo, criando-se através duma visão evocadora do Sacro Império que foi seu.
Por fora, ainda, deste conflito religioso primeiro e depois civilizacional, digladiam-se várias ambições imperialistas e comerciais. É o lado puramente exterior da guerra presente. As causas económicas nunca valem senão como instigadoras e representativas das profundas causas psíquicas, visto que as sociedades são fenómenos psicológicos, na sua essência de sociedades.
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.
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