Qual será, para o sociólogo, a razão de tantos erros?
Considerações pós-revolucionárias (vers la fin)
Qual será, porém para o sociólogo, a razão de tantos erros? Na intuição que presidiu à escolha dos actuais governantes está naturalmente a causa imediata; e assim sendo na natureza especial da própria revolução devemos, escrupulosamente, analisando, encontrar as razões sociais dessa deficiência última.
Vimos já o que é uma revolução: é — dissemos, definindo — a substituição de uma corrente social por outra no estado por (...)
Fazendo agora convergir sobre a própria ideia de revolução uma mais destrinçante análise, veremos que três géneros há de movimentos revolucionários Temos, em 1º lugar, o movimento súbito e quasi, quando não de todo, incruento — quer por destituição; feita pelo povo com a abstenção das forças de guerra, quer directamente por estas com pronunciamento militar. Em segundo lugar, temos a revolta em que, por um combate rápido e já de origem inclinado para um certo lado, se dá a destituição. Há, em terceiro lugar, o caso de uma prolongada (...) (sem contudo ter o carácter de uma guerra civil) um regime o outro substitui.
É bom, porém, que se conte que, fazendo uma classificação desta ordem, não pretendemos que, estudadas por ela todas e quaisquer revoltas, em uma das três categorias se integrem, completa e (...)mente. Fazemos uma abstracção. A complexidade, diversidade e interpenetração dos factores sociais (...)
Se em qualquer país se pudesse reduzir o problema político à forma mais abstracta e pura, arredando dele todos os factores estranhos (...), sem dúvida que a revolução que se desse teria o carácter de um pronunciamento, pacificamente e rapidamente feito. Quer isto dizer que se os factos sociais fossem reduzidos a uma simplicidade enorme, isso se daria, dando-se então — exclusivamente nesse caso — a revolução no seu momento exactamente oportuno — exactamente como, não havendo elementos perturbadores a criança [...] os nove meses de vida intra-uterina. É o 1º caso acima apontado. Em qualquer dos outros casos, a revolução é prematura.
Porém alguém objectou que revolução prematura e coisa sem sentido, porque o dar-se a revolução é precisamente o indício de que da então se devia dar.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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