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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

Se eu tirar com urna pancada

Se eu tirar com urna pancada

O bolo barato da boca da criança pobre

Onde encontrarei justiça no mundo,

Onde me esconderei dos olhos do Vulto

Invisível que espreita pelas estrelas

Quando o coração vê pelos olhos o mistério olhar o universo?

Minha emoção concreta, ó brinquedo de crianças,

Ó pequenas alegrias legítimas da gente obscura,

Ó pobre riqueza exígua dos que não são ninguém...

Os móveis comprados com tanto sacrifício,

As toalhas remendadas com tanto cuidado,

As pequenas coisas de casa tão ajustadas e postas no lugar

E a roda de um dos mil carros do rei vencedor

Parte tudo, e todos perderam tudo.

Que imperador tem o direito

De partir a boneca à filha do operário?

Que César com suas legiões tem justiça

Para partir a máquina de costura da velha

Se eu for pela rua

E arrancar a fita suja na mão da garota

E a fizer chorar, onde encontrar qualquer Cristo?

s.d.

«Ode Marcial». Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

 - 23h.