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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Ah, como incerta, na noite em frente,

Ah, como incerta, na noite em frente,

De uma longínqua tasca vizinha

Uma ária antiga, subitamente,

Me faz saudades do que as não tinha.

A ária é antiga? É-o a guitarra.

Da ária mesma não sei, não sei.

Sinto a dor-sangue, não vejo a garra.

Não choro, e sinto que já chorei.

Qual o passado que me trouxeram?

Nem meu nem de outro, é só passado:

Todas as coisas que já morreram

A mim e a todos, no mundo andado.

É o tempo, o tempo que leva a vida

Que chora e choro na noite triste.

É a mágoa, a queixa mal definida

De quando existe, só porque existe.

14-8-1932

Poesias Inéditas (1930-1935). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1955 (imp. 1990).

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