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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Sua inconsciência alegre é uma ofensa

Sua inconsciência alegre é uma ofensa

Para mim. O seu rir esbofeteia-me!

Sua alegria cospe-me na cara!

Oh, com que ódio carnal e espiritual

Me escarro sobre o que na alma humana

Cria festas e danças e cantigas

E veste ao horror e íntima dor de ser

Esta capa de risos naturais.

Com que alegria minha cairia

Um raio entre eles! Com que pronto

Criaria torturas para eles

Só por rirem a vida em minha cara

E atirarem à minha face pálida

O seu gozo em viver, a poeira que arde

Em meus olhos, dos seus momentos ocos

De infância adulta e toda na alegria!

Eu sou o Aparte, o Excluído, o Negro!

Ó Ódio, alegra-me tu sequer!

Faze-me ver a Morte roendo a todos,

Põe-me na vista os vermes trabalhando

Aqueles corpos! Tenham filhos, vejam

Seus filhos afogados ante os olhos,

As filhas violadas a seu ver.

Quanto empeçonha a vida dos triviais,

Essa dores da carne e do costume

Que humilham e esporeiam, lhes ocupem

O que da vida fica após dançarem!

Mas nem o ódio me embriaga! Eu fico

Torturado na cruz do ódio meu

Inutilmente, como um Cristo (...)

Em terra de gentios.

Ó febre em que estremece, frio,

O meu ser.

s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva . Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.

 - 15.

1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos . Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.117).