O OUTRO IMPÉRIO
O OUTRO IMPÉRIO
O princípio ou lei fundamental da ciência chamada sociologia é que não há ciência chamada sociologia. Ignoramos por completo como é que as sociedades nascem, como e por que crescem, como e por que morrem, partindo, é claro, de que se possa dizer [que] elas deveras nascem, crescem e morrem, o que ninguém pode ao certo afirmar. Não há um único princípio a que possamos chamar uma lei da sociologia. Há na prática empirismos mais ou menos felizes, na teoria doutrinas mais ou menos coerentes. Não há mais nada além disto, que aliás é nada. Qualquer de nós, modernos, sobre quem pesa a experiência inútil das eras e a especulação estéril dos séculos, pode nesta matéria evolver, com mais ou menos brilho, determinado princípio aparente, determinada lei conjectural. Não tardará que descubra que já o formulara Aristóteles ou Platão, ou, na falha deles, qualquer dos outros especuladores políticos, sofistas, estóicos [?] e outros da Grécia onde [?] ainda estamos. Não sei se há progresso, nem ninguém sabe o que se entende pela palavra progresso, seja como for o que isso for [?I em sociologia não há progresso, pois que não pode haver progresso ou qualquer outra coisa que não existe. Filhos do Caos e da Noite, o erro e a dúvida são o nosso pão de cada dia, e parece que os apreciamos, visto que oramos para o pedir.
Estamos [...] onde já estavam os gregos, salvo que a complicação dos nossos fenómenos sociais faz que forçosamente observemos muito menos bem, e a nossa indisciplina mental que necessariamente raciocinemos muito pior.
O espírito humano tem uma ânsia natural de conhecer; revela-o a criança insistentemente, e a criança — ser absurdo, sentimental e desamparado — é o tipo exacto (perfeito) da humanidade. Pode dizer-se, corrigindo um exagero retórico da Igreja, que o homem é um animal que aspira a ser racional. Resto, talvez, daquele fogo divino que Prometeu parece não ter tido tempo suficiente para [...] A distribuir equitativamente entre os homens...
Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.
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