Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
pdf
Fernando Pessoa

É a seguinte a tese do Novo Sebastianismo:

Sebastianismo

É a seguinte a tese do Novo Sebastianismo:

1º — Uma nação é um organismo psíquico em que, como em todos os organismos, lutam, sustentando-o, forças de desintegração e de integração, forças que tendem a dissolvê-lo e forças que tendem a conservá-lo, e que (estas últimas) não seriam postas em movimento se não fosse a acção das outras. O que conserva é, de sua natureza, estático; o que destrói dinâmico; o que conserva só se torna dinâmico em virtude de ter de reagir contra o dinamismo das forças de desintegração. As forças de integração, no caso dum país, são: (1) A homogeneidade (mais ou menos grande segundo os povos) do carácter nacional, cuja acção integradora consiste em nacionalizar todos os fenómenos importados do estrangeiro, que se dêem na vida social; a vitalidade duma nação — a verdadeira e real vitalidade — mede-se pela facilidade, prontidão e eficácia com que se nacionaliza o importado. Uma nação nestas condições importa o maior número de elementos possível, porque dos elementos de desintegração, logo que a integração seja real, é que nasce a vida; por isso ela, importando o maior número de elementos possível, vitaliza-se o mais possível, e, como tem um largo poder de integração (isto é, de nacionalização), nada tem que temer dessas importações. — Este género de forças de integração é característico de tal nação como nação. — (2) A coordenação de forças sociais — isto é, o poder de, agindo de modo a excitarem-se e contraírem-se mutuamente, não agirem nunca de modo a que essa mútua excitação seja aniquiladora de umas ou outras; esta força de integração vê-se na atitude psíquica dos indivíduos que formam as correntes sociais de opinião e classe: se cada classe ou opinião procura dominar a outra ou as outras, há nos espíritos, agindo, a força integrativa da coordenação; se procura exterminar a outra ou as outras, o que há nos espíritos é um predomínio manifesto da força de desintegração (ex, ex, ex). Estas forças de integração são aquelas que uma nação tem como organismo. — (3) A socialização das forças individuais — isto é, o carácter e acções de cada indivíduo serem tais que a sua livre, espontânea, mesmo anárquica, actividade seja, por uma íntima organização do seu psiquismo fatalmente uma força socializadora. É assim que um homem de génio, que cria uma obra literária, pratica um acto altamente individual — o mais individual de todos os actos humanos —; mas, tanto pela acção que tem sobre a sociedade o idealizado da sua obra, como pelo carácter representativo (do seu povo) da sua arte, como pelo orgulho que advém ao povo de ele lhe pertencer, faz obra altamente social. A única arte anti-social é a arte fraca e débil. Toda a grande arte é, ipso facto, um fenómeno social importante e útil, mesmo que trate assuntos chamados “decadentes”. Por isso a decadência artística e literária é o fenómeno mais representativo da decadência essencial duma nação. — As forças de desintegração neste caso são as que tendem a que cada indivíduo, agindo, aja de modo absolutamente individual. — Estas forças de integração são aquelas que uma nação tem como sociedade.

É fácil cair em erro nestes pontos. Assim, interpretando mal a natureza do primeiro género de forças de integração, caíram os integralistas franceses e portugueses no erro tradicionalista, confundindo tradição com carácter nacional, isto é, confundindo as cristalizações desse carácter, ou então os estádios passageiros nascidos da adaptação desse carácter a várias circunstâncias de época, com o carácter em si. — Semelhantemente, no segundo género, condundiram coordenação com ordem. Pode dar-se uma perfeita coordenação social num período de lutas revolucionárias. Aqui, como no outro ponto, confundiram causa e efeito. A ordem, é em geral, um resultado da perfeita coordenação das forças sociais; mas a perfeita coordenação das forças sociais nem sempre produz a ordem. Só a coordenação de certas forças, de certa ordem de forças, é que produz a ordem. — No terceiro género de forças de integração, também os integralistas fizeram uma confusão: confundiram a ordenação individual com o individualismo absoluto, e não viram que um indivíduo pode agir anarquicamente e de modo absolutamente social ao mesmo tempo e por essa mesma acção. Daí a teoria da autoridade, teoria do anti-individualismo, que não são mais do que confusões e incompreensões.

As forças de desintegração são de três ordens:

(1) Forças de destruição - aquelas que produzem a Morte. São as forças do exterior, de cuja acção o organismo vive, mas de cuja acção ele morre se não se pode adaptar a elas. A Morte vem sempre de fora (ex.) - Assim, na vida das sociedades, o meio, o exterior, de que elas vivem, é o Estrangeiro, são as elaborações gerais da civilização a quem essas nações pertencem; se as sociedades conseguem nacionalizar os elementos que recebem do estrangeiro têm uma vitalidade grande; se o não conseguem, têm uma baixa vitalidade. Mas (e isto é importante) quando não podem nacionalizar esses elementos, não os importam.

O tradicionalismo é um sinal de baixa vitalidade social. Importam-nos apenas nas suas exterioridades -(ex.) As literaturas duma época decadente, como seja, entre nós, a de D. Maria I, vivem da admiração do passado, e só adoptam do estrangeiro o que está de acordo com o passado nacional. Bocage não adopta dos estrangeiros senão o que Camões poderia adoptar também. Isto é um pequeno exemplo, que dispensa outros. [...]

(2) Forças de descoordenação - as que produzem a Doença. São aquelas forças que produzem perturbações orgânicas donde resulta, não já - pelo menos directamente - uma desadaptação ao Meio, mas uma desadaptação dessas forças umas às outras. Assim uma atrofia ou hipertrofia de qualquer órgão; isto produz um mau funcionamento de todos os outros órgãos, especialmente os que mais ligados estão a esse - Nas sociedades, dá-se isto quando determinadas forças sociais usurpam indevida quantidade de energia social. As forças sociais são (a) forças de conservação social - etc., etc., etc., (ex.).

(3) Forças de desintegração propriamente ditas — as que produzem a actividade independente dos elementos orgânicos, as que tendem, por ex., a libertar a actividade das células da actividade de conjunto. Estas tendem para a Decadência.

s.d.

Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.

 - 67.