[Cartas a João Gaspar Simões - 26 Out. 1930]
Lisboa, 26 de Outubro de 1930.
Meu querido Gaspar Simões:
Muito obrigado pela sua carta, que acabo, literalmente, de receber.
Nada há de especial a indicar na génese do poema O Último Sortilégio. Escrevi-o a 15 deste mês, à noite, em seguida a escrever três quadras muito simples. Tanto estas, como ele, foram produtos directos e espontâneos.
Causou-lhe estranheza, talvez, o assunto. Isso, porém, procede de v. desconhecer outros poemas meus, inéditos, do mesmo género. Tenho um, incompleto, Lucífer, que vai muito além deste na mesma direcção; e esse é já antigo. A mesma nuvem paira sobre os cinco poemas a cujo conjunto chamei Além‑Deus, e que escrevi há ainda mais tempo; são cinco pequenos poemas, completos, e estiveram para ser publicados (chegaram a ser impressos) num Orpheu 3 que foi frustrado de cima. E, além destes, há ainda outros poemas, incluindo um soneto sobre o Gomes Leal, que deve conhecer, pelo menos da Antologia do Salão de Outono.
Deveras e realmente, não posso dar-lhe explicação nenhuma sobre a génese particular deste poema. Sobre a génese geral dessa ordem de poemas é que talvez haveria alguma coisa a dizer. Mas isso não tem interesse estético nem psicológico.
Estou agora um pouco mais dinâmico; conto poder enviar-lhe dentro de muito pouco tempo o original para o volume de poemas nas obras do Sá-‑Carneiro. Já tenho a maior parte dos manuscritos originais, que quero conferir com o próprio livro manuscrito; esses manuscritos originais existiam em cartas para mim, e tenho tido um certo trabalho em congregar essas cartas.
Abraça-o o camarada amigo, admirador e grato,
Fernando Pessoa.
Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões. (Introdução, apêndice e notas do destinatário.) Lisboa: Europa-América, 1957 (2.ª ed. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982).
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