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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Na margem verde da estrada

Na margem verde da estrada

Os malmequeres são meus.

Já trago a alma cansada —

Não é disso... é de Deus.

Se Deus me quisesse dá-la

Havia de achar maneira...

A estrada de cá da vala

Tem malmequeres à beira.

Se os quero, colho-os, e tenho

Cuidado com os partir.

Cada um que vejo e apanho

Dá um estalinho ao sair.

São malmequeres aos molhos,

Iguaizinhos para ver.

E nem põe neles os olhos,

Dá a mão pra os receber.

Não é esmola que envergonhe,

Nem coisa dada sem mais.

É pra que a menina os ponha

Onde o peito faz sinais.

Tirei-os do campo ao lado

Para a menina os trazer...

E nem me mostra o agrado

De um olhar para me ver...

É assim a minha sina.

Tirei-os de onde iam bem,

Só para os dar à menina —

E agradeceu-me a ninguém.

31-8-1930

Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).

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