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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Alberto Caeiro

XXXIV - Acho tão natural que não se pense

XXXIV

 

Acho tão natural que não se pense

Que me ponho a rir às vezes, sozinho,

Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa

Que tem que ver com haver gente que pensa...

 

Que pensará o meu muro da minha sombra?

Pergunto-me às vezes isto até dar por mim

A perguntar-me coisas...

E então desagrado-me, e incomodo-me

Como se desse por mim com um pé dormente...

 

Que pensará isto de aquilo?

Nada pensa nada.

Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?

Se ela a tiver, que a tenha...

Que me importa isso a mim?

Se eu pensasse nessas coisas,

Deixaria de ver as árvores e as plantas

E deixava de ver a Terra,

Para ver só os meus pensamentos...

Entristecia e ficava às escuras.

E assim, sem pensar, tenho a Terra e o Céu.

s.d.

“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

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