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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Ricardo Reis

Só o ter flores pela vista fora

Só o ter flores pela vista fora

Nas áleas largas dos jardins exactos

        Basta para podermos

        Achar a vida leve.

De todo o esforço seguremos quedas

As mãos. brincando, pra que nos não tome

        Do pulso, e nos arraste.

        E vivamos assim.

Buscando o mínimo de dor ou gozo,

Bebendo a goles os instantes frescos,

        Translúcidos como água

        Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas

As rosas breves, os sorrisos vagos,

        E as rápidas caricias

        Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesarei nos braços

Com que, exilados das supernas luzes,

        Escolhermos do que fomos

        O melhor pra lembrar

Quando, acabados pelas Parcas, formos,

Vultos solenes de repente antigos,

        E cada vez mais sombras,

        Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,

E os nove abraços do horror estígio,

        E o regaço insaciável

        Da pátria de Plutão.

16-6-1914

Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).

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