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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Ricardo Reis

Quero, Neera, que os teus lábios laves

Quero, Neera, que os teus lábios laves

        Na nascente tranquila

Para que contra a tua febre e a triste

        Dor que pões em viver,

Sintas a fresca e calma natureza

        Da água, e reconheças

Que não têm penas nem desassossegos

        As ninfas das nascentes

Nem mais soluços do que o som da água

        Alegre e natural.

As nossas dores, não, Neera, vêm

        Das causas naturais

Datam da alma e do infeliz fruir

        Da vida com os homens.

Aprende pois, ó aprendiza jovem

        Das clássicas delícias,

A não pôr mais tristeza que um suspiro

        No modo como vives.

Nasceste pálida, deitando a regra

        Da tua vã beleza

Sob a estólida fé das nossas mãos

        Medrosas de ter gozo

Demasiado preso à desconfiança

        Que vem de teu saber,

Não para essa vã mnemónica

        Do futuro fatal.

Façamos vívidas grinaldas várias

        De sol, flores e risos

Para ocultar o fundo fiel à Noite

        Do nosso pensamento

Curvado já em vida sob a ideia

        Do plutónico jugo

Cônscia já da lívida aguardança

        Do caos redivivo.

11-7-1914

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.

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