[Carta a Armando Côrtes-Rodrigues - 4 Dez. 1914]
Lisboa, 4 de Dezembro de 1914.
Meu caro Côrtes-Rodrigues:
Tinha hoje muita coisa que lhe contar, muita coisa especialmente com respeito ao meu curioso estado de espírito actual, e a uma, não menos curiosa, evolução que se tem dado em mim ultimamente. Mas para isso era preciso que eu tivesse tempo e sossego de espírito — um relativo sossego de espírito, pelo menos — e nenhuma das coisas hoje está comigo. Não há pressa em lhe falar nestes assuntos, mas tenho interesse em fazê-lo; especialmente porque — consoante v. verá quando tornar conhecimento do que esses assuntos são — só a v. me dá jeito falar deles. Pertencem a uma região do meu psiquismo onde v., melhor do que qualquer outro meu amigo, entra e compreende. Não é nada de estranho nem de fantástico: no fundo, um curioso conflito entre partes superficiais e estéticas do meu ser de alma, e outras partes religiosas e profundas dele. Isto apenas, mas há assuntos que se prendem com isto e sobre os quais eu o desejaria consultar, saber a sua opinião.
Enfim, fica para a mala do dia 19.
Dê cumprimentos meus a seu Pai e visione-se abraçado pelo seu muito amigo
Fernando Pessoa
Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues.
(Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).
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