Raros são os interpretadores de profecias que não usam de tergiversação.
Raros são os interpretadores de profecias que não usam de tergiversação. Ora adoptam um critério interpretativo, ora outro, para que as palavras da expressão profética se conformem com os preconceitos que formaram; ora forçam essas palavras para fora de toda possibilidade de sentido humano, místico ou não.
O que convém fazer, em matéria de interpretação profética, é, antes de mais nada, fixar o sistema, pelo qual as vozes proféticas hão-de ser interpretadas; depois de aplicar implacavelmente esse sistema a essas vozes, não curando de se o resultado nos agrada ou não, de se as datas (onde há datas) se conformam com as que esperamos ou esperaríamos. Há muitas vezes acontecimentos cuja importância é velada no tempo em que se dão, e nos tempos que se lhe seguem. Os acontecimentos chamados homens de génio são exemplos típicos; nenhum, ou quase nenhum, homem de génio é conhecido como tal, ou como tal devidamente apreciado em sua época e na época a ela próxima, e, por isso, aos que vivem em essa época, as datas de sua vida serão, se apontadas em profecia, ou tomadas por sem sentido nenhum (o que será raro, dada a mente conturbada dos interpretadores de profecias) ou transposta para outros acontecimentos, sem razão fundamentada, fora da apetência da época, para serem profetizadas
Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979.
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