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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

TRAMWAY

TRAMWAY

Aqui vou eu num carro eléctrico, mais umas trinta ou quarenta pessoas,

Cheio (só) das minhas ideias imortais, (creio que boas).

Amanhã elas, postas em verso, serão

Por toda a Europa, por todo o mundo (quem sabe?!)

Triunfo meta, início, clarão

Que talvez não acabe.

E quem sobe? Que sente? O que vai a meu lado

Só sente em mim que sou o que, estrangeiro,

Tem o lugar da ponta, e do extremo, apanhado

Por quem entra primeiro.

Que o que vale são as ideias que tenho, enfim,

O resto, o que aqui está sentado, sou eu,

Vestido, visual, regular, sempre em mim,

Sob o azul do céu.

Ah, Destino dos deuses, dai-me ao menos o siso

Ao que em mim pensa a vida de ter um profundo

Senso essencial, mas certeiro e conciso

Da vida e do mundo!

Sei, sob o céu que é que toca as minhas ideias,

Sob o céu mais análogo ao que penso comigo

Que este carro vai com os bancos cheios

Para onde eu sigo.

E o ponto de absurdo de tudo isto qual é?

Onde é que está aqui o erro que sinto?

A minha razão enternecida aqui perde pé

E pensando minto,

Mas a que verdade minto, que ponte,

Há entre o que é falso aqui e o que é certo?

Se o que sinto e penso, não sei sequer como o conte,

Se o que está a descoberto

Agora no meu meditar é uma treva e um abismo

Que hei-de fazer da minha consciência dividida?

Oh, carro absurdo e irreal, onde está quanto cismo?

De que lado é que é a vida?

8-10-1919

Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

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Fernando Pessoa?