[Carta a Garcia Pulido - 18 Mar. 1913]
Rua Passos Manoel, 24, 32, E. — Lisboa, 18 de Março de 1913 — Querido Amigo: Diversas circunstâncias, de mínimo relevo artístico cada uma, têm sido salteadoras do meu tempo. Por isso não lhe escrevi ainda, como creio, prometera. A sua amizade e bondade ter-me-ão desculpado ante si-próprio.
Dê-me notícias, se as houver, quanto ao panfleto. Pouco mais ou menos quando conta que possamos arremessar o primeiro número sobre os esmigalhandos? Combina-se ou não que fique semanal? Continuo a achar vantajoso que assim venha a ser. Até ao fim d'este mês prepararei os dois primeiros números meus. O primeiro d'estes é a «História Cómica» de que lhe falei; o segundo deve ser, ou um outro ataque ao Af[onso] C[osta], ou uma «Carta a um Monárquico» (o título é provisório), que é naturalmente aquilo que temos que fazer para nos livrarmos de ser encolegados pelo Dia, Ridículos, etc. N'essa «Carta» ponho de modo novo o problema político actual, e mostro a necessidade de ser republicano com argumentos ainda virgens. Depois lhe exporei o assunto. Este deve ser o 4º folheto, porque são meus o lº e 3º, e este, meu, naturalmente terá de ser a Carta ao França.
No princípio de abril vai sair também um folheto do Víctor Falcão e outro tipo cujo nome me não chega até à memória n'este momento — chama-se (o folheto) A Cambada e vender-se-á a 20 réis. — Não creio que nos venha a fazer senão bem, pelo contraste.
Recebi há dias do Mário de Sá-Carneiro um conto magnífico que lhe hei-de ler quando v. aqui vier. N'este conto está bem toda a ânsia de Além, a tortura de estar aqui que o autor, comummente connosco, vive. É muito interessante.
V. não se esqueça de me ter informado sobre os seus movimentos, para eu saber para onde tenho que dirigir cartas para si. Muito menos se esqueça de me participar as suas vindas a Lisboa.
Vou lavar a alma esta semana (em humano isto quer dizer, pôr em ordem os meus papéis para me orientar sobre o que há que se aproveite para fins agressivos). Enquanto faço isso, vou escrevendo a «História Cómica» que está (o que há d'ela) reunida, e aqui na minha pasta.
Não se esqueça de me escrever, ainda que seja para me dizer que me não pode escrever. Sempre é escrever-me.
Um abraço do seu amigo e admirador dedicadíssimo (a) Fernando Pessoa.
(In another paper:)
Em vez de Post-scriptum:
Mando quatro poesias do Camillo Pessanha. Por lealdade espontânea para com o ineditismo do autor, peço a v. que as mostre ao menor número possível de gente. Sei que v. assim fará, mas sempre queria lembrar. O seu (a) F. Pessoa.
(The four poems are: Tatuagens, O meu coração desce..., Passeia no jardim... and Violoncelos).
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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