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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Deixa-me ouvir o que não ouço...

Deixa-me ouvir o que não ouço...

Não é a brisa ou o arvoredo;

É outra coisa intercalada...

        É qualquer coisa que não posso

        Ouvir senão em segredo,

        E que talvez não seja nada.

Deixa-me ouvir... Não fales alto!

Um momento!... Depois o amor,

Se quiseres... Agora cala!

        Ténue, longínquo sobressalto

        Que substitui a dor,

        Que inquieta e embala...

O quê? Só a brisa entre a folhagem?

Talvez... Só um canto pressentido?

Não sei, mas custa amar depois...

Sim, torna a mim, e a paisagem

E a verdadeira brisa, ruído...

Que pena sermos dois!

Meu amor, somos dois.

Vejo-te, somos dois...

12-8-1930

Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).

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