[Carta a Rogelio Buendìa - 15 Set. 1923]
Para Rogelio Buendia, Castetar 6, Huelva.
Don Rogelio Buendía.
Querido amigo:
Muito agradeço a sua carta de 11, recebida ontem, e o exemplar duplicado de «La Provincia», recebido hoje. Mais ainda lhe agradeço a honrosa amabilidade que representa, da sua parte e da de sua Esposa, o traduzirem, e publicarem a tradução, de cinco das minhas «Inscriptions».
Creio que realizaram a tradução com grande felicidade, dada a dificuldade fundamental de pôr em uma língua neo-latina, sem ser demasiado extenso, o que a concisão natural do inglês permite concentrar em um curto número de versos. Assim a vossa tradução é em alguns pontos, por assim dizer, interpretativa. Mas não podia deixar de sê-lo, reconheço. E repito que está executada com uma grande felicidade.
Há, por certo, um ou outro pormenor da tradução que se não conforma inteiramente com o sentido do original. Mas isso entra, creio, na inevitabilidade de ser mais interpretativa que literal uma tradução do inglês (ou do alemão) para qualquer das línguas vulgarmente chamadas latinas.
Vendo bem, a tarefa, que tão amavelmente para mim se propuseram executar, e executaram, não podia, dadas as suas dificuldades essenciais, ser conduzida com maior destreza e escrúpulo artístico. De todo o coração vo-la agradeço.
Não tenho visto o António Botto. Mas, sobre a sua conferência, falei, mal recebi a sua carta, ao José Pacheco, director da «Contemporânea». Ele disse-me imediatamente que a «Contemporânea» organizaria a sua conferência não só com prazer, senão com entusiasmo. São as palavras d'ele que lhe transmito.
Nem haveria mais ninguém em Portugal que pudesse tão bem organizar — e de tão boa vontade organizaria — uma conferência sua, como a «Contemporânea».
O José Pacheco disse-me, de resto, que já há tempo o havia convidado para fazer uma conferência em Lisboa, quando para tal tivesse ocasião.
Não vale a pena mandar o seu livro a «críticos» nenhuns em Portugal. Há aqui uma cisão quase completa, senão completa, entre o jornalismo ou periodismo e a superioridade intelectual. Há notáveis temperamentos críticos, mas nunca escrevem em jornais por vezes será mais justo dizer que em absoluto não escrevem. Há muita gente culta em Portugal, mas não há meio culto. A cultura em Portugal é de indivíduos, não de grupos, e esses indivíduos vivem quase separados, às vezes mesmo de si-próprios.
Tenho a agradecer-lhe, ainda, as palavras de apreço que em sua carta dedica aos meus poemas em inglês.
Creia sempre, querido amigo, na amizade, na admiração e no reconhecimento do muito seu,
(a) Fernando Pessoa.
Lisboa, 15/IX/1923.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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