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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Carta a Adriano del Valle - 14 Set. 1923]

Adriano del Valle — Castelar, 16 — Huelva.

Para Adriano del Valle.

Querido amigo:

Para não demorar mais a remessa de algum dos livros dos prosadores portugueses, envio-lhe hoje, registado, o «Serão Inquieto» do António Patrício. É um dos mais perfeitos livros de contos que se têm escrito em Portugal. Creio que apareceu cerca de 1909 ou 1910. Mesmo a segunda edição (idêntica à primeira), que é a que lhe envio, me custou bastante a encontrar, pois está, pode dizer-se, esgotada.

Também tencionava enviar-lhe os dois livros de contos de Aquilino Ribeiro, «Jardim das Tormentas» e «Filhas de Babilónia», mas, como se referiu a Aquilino, fiquei sem saber ao certo se já teria estes livros d'ele. Tem-os? Se os não tem, envio-lh'os, pois são dos que vale a pena ter. A linha estrutural das narrativas é menos perfeita que a dos contos de Patrício; são, em todo o caso, livros de um grande prosador.

Tem algum livro de contos de Fialho de Almeida? Se não tem, há que conhece-los, e já fico sabendo que lhe devo enviar esses também.

No seu pedido, relativo a novelistas portugueses, há duas dificuldades para a realização. Em primeiro lugar, não há muitos novelistas (isto é, contistas) portugueses, mesmo relativamente ao número de escritores; e, como não há muitos, menos ainda há que sejam bons, e cujas obras portanto valha a pena enviar-lhe. Em segundo lugar, a nenhum d'estes bons se aplica (creio) a circunstância de se poderem traduzir os seus contos sem pagar direitos de autor. Talvez, em todo caso, o Patrício e o Aquilino concedessem licença. O Fialho morreu já há anos; as suas obras são propriedade do editor; por certo não haverá maneira de conseguir essas coisas graciosas com um editor! Em todo caso, vale-lhe a pena conhecer o Fialho — para o conhecer, ainda que não para traduzi-lo.

Depois lhe darei mais informações a este respeito, se me não for impossível obtê-las.

Mais tarde.

Não lhe mando só o Patrício. Vai também a «Flor da Lama» de Eugénio Vieira. É um livro de outra ordem, mas não é inteiramente mau. Por isso e porque é barato — custou apenas dois escudos e meio — não deixo de lh'o enviar. Neste caso creio que não haverá complicação em obter licença para traduzir, se for precisa. Por certo que a daria o Eugénio Vieira, que conheço pessoalmente.

Por hoje vai isto. Espero a sua resposta para lhe remeter mais livros.

Achei muito interessante (não sei se já lhe disse) o seu artigo a propósito da «Rueda de Color», que, em recorte, Rogelio Buendía me enviou.

Queira dar os meus respeitos a sua Esposa, e aceitar, querido amigo, um abraço de apreço e camaradagem do

(a) Fernando Pessoa.

Lisboa.

14-9-23.

14-9-1923

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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