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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[Carta ao director de A Voz - 28 Jan. 1934]

Lisboa, 28 de Janeiro de 1934.

Exmo. Sr. Director de A Voz:

Apesar de leitor assíduo de A Voz, só hoje, em releitura dominical, deparei o suelto A Maçonaria na Alemanha, publicado em 24 de Janeiro.

Vejo que esse jornal se regozija de que o Ministro-Presidente da Prússia tenha «intimado a dissolução» a três das várias Obediências distintas por que está dispersa a Maçonaria da Alemanha. Duas d'essas três (rectifico as designações de A Voz) são a Grande Loja Mãe Nacional dos Três Globos, que data de 1749, e a Rial York de Amizade (aliás Grande Loja da Prússia), que data de 1798. A terceira, ao que leio, é uma Ordem Cristã Germanica, que não sei o que seja, mas que, pelo nome, deve ser um sistema de Altos Graus, ou um Alto Grau solto, como, por exemplo, a Ordem do Sacro Rial Arco, ou a Ordem Rial da Escócia (na qual, diga-se de passagem e por curiosidade, foi há pouco iniciado o Príncipe de Gales).

Ora as duas Grandes Lojas citadas (foi erro o chamar-lhes simplesmente Lojas) têm a particularidade, que as distingue de toda a mais Maçonaria regular, de não admitir senão chistãos; e da terceira entidade, seja ela o que for vê-se, por seu mesmo nome, que é cristã também.

Como não consta que tenha sido «intimada a dissolução» a qualquer outra Obediência alemã, ou só prussiana, vê-se que o ataque nazi é dirigido exclusivamente contra a parte cristã da Maçonaria germânica. E está certo que o seja. Há nisso inteira coerência com os princípios baixamente pagãos que confessadamente animam ao hitlerismo, como ao fascismo, como ao bolchevismo — a tripla prole do Anticristo.

Não compreendo, portanto, como é que A Voz, suficientemente a par d'estes assuntos, e jornal manifestadamente cristão, possa regozijar-se com o haver mais uma ofensiva, só aparentemente anti-maçónica, do espírito inimigo do Cristo. Esse espírito — sabe-o bem V. Exa. — é mais subtil do que muitos cuidam, e usa de formas e de modos mais proteicos que os do camaleão, o qual, humilde animal, não muda senão de cor.

Os benefícios notáveis, que provieram do nazismo, no que anti-marxista; do fascismo, no que anticomunista; do mesmo sovietismo, no que contra-estagnante, não devem fazer esquecer o que de igual se infiltrar, por influxo superior e direcção meditada, em esses três movimentos. E esse elemento subtil e insinuado, superiormente comum àqueles três modos sociais, é o repúdio do Cristo e a negação do que Ele representa.

Concordo com A Voz: non praevalebunt... Mas então porque prestar-lhes o apoio, ainda que platónico, do louvor?

De V. Exa.,

respeitosamente,

UM IRREGULAR DO TRANSEPTO

28-1-1934

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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