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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Uma associação secreta no sentido em que possa ser tomada por perigosa…

Uma associação secreta no sentido em que possa ser tomada por perigosa ou ilegítima, é, essencialmente, uma associação que é secreta quanto aos seus fins. O ser secreta quanto à sua composição, ou secreta quanto aos seus processos, não pesa para esse caso. Um serviço de espionagem, uma policia política, são necessariamente secretos quanto a composição e processos. Qualquer que seja a nossa simpatia, antipatia ou indiferença por esses sistemas secretos, ninguém nega aos estados e aos governos o direito de empregá-los. E que não são secretos quanto aos fins, e esses fins não são, em si mesmos, ilegítimos. Se são ilegítimos, a associação é ilegítima, nada importando que sejam secretos ou não os seus processos e os seus componentes.

Ora, qualquer que seja o grau de segredo — variável de país para país pelas razões que adiante serão expostas — que incida sobre a composição e os processos da Ordem Maçónica, nenhum segredo incide, pelo menos hoje, sobre os seus fins.

São estes os fins da Maçonaria em todos países onde existe. Os dois primeiros são acompanhados em toda a parte pelos mesmos processos — rituais no primeiro caso, actos de auxílio, e outros idênticos, no segundo. Circunstâncias várias, puramente internas, podem produzir, e produzem, diferenças rituais, de país para país; circunstâncias de educação, de preparação extra-maçónica e de temperamento podem produzir, de país para país, diferenças de exactidão e de solenidade nos trabalhos e ritos, e, de maçon para maçon, diferenças de aproveitamento e de compreensão. Como porém o espírito iniciático da Maçonaria se acha já todo contido nos graus simbólicos, e mormente no primeiro e no terceiro, e como o espírito d'estes graus, apesar de divergências, rituais e outras, por vezes extraordinárias, é o mesmo em toda a parte, sucede que do ponto de vista iniciático, a Maçonaria é a mesma em toda a parte, por mais que sejam os Altos Graus — que não [são] mais que graus de interpretação, transmutação ou complemento — que se sobreponham, neste ou naquele Rito, aos simbólicos. A Maçonaria Inglesa, propriamente tal, tem só quatro graus — os simbólicos e o Sacro Rial Arco. Enganar-se-ia porém quem suposesse que um inglês Companheiro do Rial Arco, e como tal Príncipe Maçon, está por isso inferior iniciaticamente com 29 pontos a um detentor de todos os 33 graus do Rito Escocês. Mais vale, em muitos casos, a leitura consciente e atenta de certos livros maçónicos, e até de certos livros que aparentemente nada têm com a Maçonaria, do que a obtenção de uma série extensa de Altos Graus, alguns d'eles infelizmente totalmente desprovidos de interesse ou de poder interpretativo, quando não até de coerência ritual. E mais do que tudo isso vale ainda uma iniciação extra ou supermaçónica.

Deve compreender-se que em tudo isto tenho estado a tratar da Maçonaria do ponto de vista iniciático. Que uma série extensa de Altos Graus sirva convenientemente para uma selecção ou peneiramento — concedo-o, e é, aliás, intuitivo. Isso, porém, não tem que ver com o lado iniciático, mas com o lado, por assim dizer, administrativo, da Maçonaria. Mais adiante tocarei esse ponto.

As condições sociais e políticas variam de país para país. Variam com elas as condições em que vivem as liberdades públicas, as normas de tolerância e respeito pelas opiniões individuais, o grau de educação do povo. A acção da Maçonaria, no que depositária de uma doutrina, ou critério, liberal terá forçosamente que variar com elas, e com essa variação terão também que variar os processos que adopta, o grau em que faz ou não faz segredo dos seus componentes.

Em Inglaterra, onde estão plenamente conquistadas as liberdades públicas, e onde ninguém seriamente a ameaça, a Maçonaria nada, ou pouco, tem que fazer politicamente. De aí resulta o não ter necessidade de ocultar os seus componentes (...)

Começa pelo mesmo nome da instituição: francalvenaria. Não é franca, porque é secreta, e nada tem que ver com alvernaria. Esta observação não é original: utilizo-me da célebre definição de franc-maçon dada por Mgr. de Broglie [?]: (...)

s.d.

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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