PRÓLOGO
Prólogo
«Uma coisa que às vezes me tem dado que cismar - sabe o dr. Gomes -» disse o Sanches, cronista literário do Diário da Manhã «é que tenha sido tão pouco estudada a… o lado subjectivo da loucura…»
«Que diabo quer você dizer com o lado subjectivo da loucura» perguntou bruscamente o médico.
«O... Olhe, quero dizer isto: vocês, os médicos, estudam as várias doenças mentais, sintomas, manifestações, etcetera e tal, mas não tratam de averiguar o que diabo pensarão aqueles sujeitos lá em si, no que se não vê nos sintomas, você compreende bem. A psiquiátria... a psiquiatria... não sei bem como se diz.»
«Diga lá como quiser... adiante.»
«Vá lá... A psiquiatria estuda-os por fora, por assim dizer. Não quer saber do que o tipo sente, lá ele propriamente sintomas à parte... Isso que me parece que seria interessante investigar... O diabo é que é difícil...»
«Para que diabo havíamos nós de querer saber o que os alienados pensam, lá por si, como você diz? Isso não nos interessa... De resto, creia o meu amigo que não deve ser tão interessante como parece... Não há propriamente um sentimento humanamente compreensível nos psicopatas... Ainda nos nevropatas, vá, mas nos psicopatas... Um... Não deve servir para literatura, se é por isso que você perguntou, e muito menos para poesia... Os reis Lears da vida prática não são poéticos nem no que dizem nem no que fazem... O lugar do enfermeiro de hospício de alienados não serve como gradus ad parnassum... Ná... Basta o que se observa. Curá-los é que é o caso... Lá o que eles pensam, que raio de interesse pode isso ter? Não seja poeta fora de horas, homem... Ora imagine você... ora imagine... Você conheceu algum... Sim, olhe, imagine você que alguém ia escrever um romance sobre o que sentiria o Marcos Alves...
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 25a.«Marcos Alves»