Caímos na teorização estéril, seguindo, como a fogos-fátuos,
Caímos na teorização estéril, seguindo, como a fogos-fátuos, todas as teorias que não são mais que as exalações letais da civilização decomposta. Desde a teoria da democracia, concebida à moderna, e fora da sua coexistência com o princípio corrigente da escravatura, como na antiguidade, até à teoria do feminismo, em que o sexo inferior recebe foros de igual ao sexo imperante, tudo é uma dissolução e uma descida, tudo é, quando muito, a estrumeira onde colha vida a Europa futura, liberta do peso do dogma cristista.
Qual a solução do problema democrático moderno? Como resolvê-lo, conservando o indispensável domínio das classes dirigentes, mas não pondo um inútil dique à ambição popular, que sobe e monta? Vários, muitos, se têm dedicado à solução de tal problema. Nunca lhes passou pela cabeça que o problema fosse irresolúvel. Nunca lhes ocorreu que estamos em decadência e que nos períodos assim chamados o mais característico aspecto das coisas sociais é o aparecimento de problemas que é impossível resolver. E porque é que o são? Porque só é possível equilibrar duas forças em conflito quando cada uma d'essas forças não exige absolutamente o extermínio da outra. Ora, na decadência dos estados, o que precisamente se dá é aquela perda do instinto político, aquele affaisement da imaginação social (sociológica) que faz com que se ergam partidos e correntes que peçam coisas extremas, desequilibradoras do balanço da marcha da civilização.
Não pode haver esperança senão na introdução de princípios inteiramente novos na mentalidade europeia. Inteiramente novos? Digo mal: antes aqueles princípios que, sendo novos em aparência, são na realidade a tradição oculta de todo o nosso estado civilizacional — os princípios guias da nossa comum mãe helénica, e de Roma, a nossa nutriz.
A ridícula fantasia germânica, que chegou a tomar Cristo por alemão antes de os haver (?) corre parelhas com a absurda tese revolucionária de que são iguais os direitos dos homens. Apenas a tese alemã é o exagero absurdo de uma verdade, qual é a de que as raças são fundamentais na construção da obra civilizacional, e o instinto da própria raça necessário a essa obra; ao passo que a tese francesa é a negação da verdade. Uma é opinião de fanáticos, outra a tese de hereges.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
- 171.«O Templo de Jano».