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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Dormir! Não ter desejos nem esperanças

Dormir! Não ter desejos nem esperanças

Flutua branca a única nuvem lenta

E na azul quiescência sonolenta

A deusa do não-ser tece ambas as tranças.

Maligno sopro de árdua quietude

Perene a fronte e os olhos aquecidos,

E uma floresta-sonho de ruídos

Ensombra os olhos mortos de virtude.

Ah, não ser nada conscientemente!

Prazer ou dor? Torpor o traz e alonga,

E a sombra conivente se prolonga

No chão interior, que à vida mente.

Desconheço-me. Embrenha-me, futuro,

Nas veredas sombrias do que sonho.

E no ócio em que diverso me suponho,

Vejo-me errante, demorado e obscuro.

Minha vida fecha-se como um leque.

Meu pensamento seca como um vago

Ribeiro no Verão. Regresso, e trago

Nas mãos flores que a vida prontas seque.

Incompreendida vontade absorta

Em nada querer... Prolixo afastamento

Do escrúpulo e da vida do momento...

21-8-1924

Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).

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