O SENTIDO DO CLASSICISMO
O SENTIDO DO CLASSICISMO
Entre as tendências recentes do espírito crítico europeu há uma que acima de todas avulta quer pelo (...) como está espalhada, quer pela coesão inteira dos vários pontos que representam a essência da sua doutrina. Essa tendência — representada pelo movimento conservador em política — aflora na crítica literária sob a forma do chamado neoclassicismo,.
No nome da doutrina vai já a sua explicação. Ela inclui uma contraposição aos princípios românticos ou post- românticos — considerados quer como literariamente falsos (Matthew Arnold), quer como a forma literária de princípios políticos dissolventes — dos princípios por que ostensivamente se regia a literatura pré-revolucionária.
Como, porém, os expositores deste sistema não primem pela originalidade (cf. Maurras), sucede que, na elaboração dessa doutrina, caem em três erros (...).
Os 3 erros são: 1) errar o ponto de partida desses princípios clássicos; 2) confundir o conteúdo da obra de arte com o seu (...), a sua estática com a sua dinâmica; 3) fazer crítica literária sem referência a condições médias (?).
O primeiro erro é dos conservadores franceses, e, de aí, dos que eles influenciam. Consiste em confundir a essência dos princípios clássicos com a sua aplicação em determinada época. Assim, quando defendem os princípios clássicos, defendem, em geral, apenas os princípios do século dezassete, e, o que é pior, do século XVII em França. Não reparam, porém, que a mentalidade francesa difere muito da mentalidade grega. O grego aceita as sensações e a vida e subordina-as a uma disciplina intelectual. O francês, incapaz de criar uma disciplina superior, trunca e restringe a vida e o sentimento para os poder disciplinar. É como um escolar que, tendo que somar parcelas (...).
O papel da inteligência, no romantismo, é apenas representativo; serve apenas para exprimir a emoção que inspirou o poema. Nos pseudoclássicos dos séculos anteriores, o papel da inteligência é outro — é criar a emoção; não criar nenhuma, é claro, porque esse papel é anti-humano, ao passo que o dos românticos é apenas inferiormente humano.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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