O que a nossa época sente é um desejo de inteligência
O que a nossa época sente é um desejo de inteligência. O que a desgosta no romantismo é a escassez dos elementos intelectuais, quer directamente pela escassez, quer pela subordinação deles aos elementos emotivos. O único elemento intelectual notável no romantismo é o da especulação, da reflexão, aparecido naturalmente pela ruína progressiva das influências religiosas. Nisto o romantismo é forte, porque está na grande tradição civilizacional europeia, que é a tradição helénica, do individualismo racionalista.
Por outra parte o romantismo é o aboutissement de outra tradição, a cristã; é isso pelo seu emotivismo e subjectivismo.
De novo, o que o romantismo trouxe foi o sentimento, propriamente tal, da Natureza. (A renovação da metáfora e da imagem).
O “classicismo” decadente, a que o romantismo se seguiu e se opôs, não tinha pensamento, não tinha emoção, não tinha alma. Custa-nos hoje a crer num Delille, nos Árcades. Como, salvo alguns versos, pesam hoje sobre nós tedientamente “The Traveller”, “The Deserted Village” “Retaliation”!
O fim do classicismo teve talento só na sátira, na poesia social, no género de que os vers de société são uma espécie.
Quanto maior a subjectividade da Arte, maior tem que ser a sua objectividade, para que haja equilíbrio, sem o qual não há vida, nem, portanto, vida ou duração da mesma arte. Como o romantismo tinha mais emoção, tinha que ter mais pensamento; como tinha mais subjectividade, tinha que ter mais objectividade.
Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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