O seu destrambelhamento sexual dava-lhe não só uma acuidade estranha…
O seu destrambelhamento sexual dava-lhe não só uma acuidade estranha para analisar até chegar às bases sexuais dos actos, aparentemente deles remotas, dos indivíduos - o que era horrorosamente desidealizante -, mas dava-lhe também a tendência para orientar sempre para um ponto sexual a sua análise dos indivíduos. A sua sexualidade enchia todo o cérebro - cobria tudo com a sua intenção. Misturava-se estranhamente com a sua ânsia de verdade e de certeza e, n'este ponto, poucas eram as dúvidas que ele tinha sobre se esses elementos sexuais, que ele tendia a achar basilares em quase todas as acções, o seriam ou não.
Como se conhecia com ideais, com altos e puros e nobres ideais, e como ao mesmo tempo se conhecia torpe e porco e cheio de corrupções e horrores da carne, - tendo perdido o pudor de se idealizar, perdera o de idealizar os outros e lia ocultos desejos, monstruosas ânsias de perversão nas coisas que de aparência ele mais desejaria crer de almas inocentes e puras. As suas observações tomavam um ar de certeza. Olhava para uma mulher de aspecto honrado, absolutamente - visivelmente - honrada e exclamava dentro de si - e pensar que é tão sujo o que vai n'aquela alma! - como se o soubesse realmente e se espantasse, depois de o saber de ciência segura, que a aparência pura traísse tanto o ignóbil fundo.
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 25d.«Marcos Alves»