Fernando Pessoa
A parte do indolente é a abstracta vida.
A parte do indolente é a abstracta vida.
Quem não emprega o esforço em conseguir,
Mas o deixa ficar, deixa dormir,
O deixa sem futuro e sem guarida,
Que mais haurir pode da morta lida.
Da sentida vaidade de seguir
Um caminho, da inércia de sentir,
Do extinto fogo e da visão perdida,
Senão a calma aquiescência em ter
No sangue entregue, e pelo corpo todo
A consciência de nada querer nem ser,
A intervisão das coisas atingíveis,
E o renunciá-las, como um lindo modo
Das mãos que a palidez torna impassíveis.
30-9-1921
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).
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