[Carta a Dr. João de Castro - 20 Jun. 1923]
Rua de 5. Julião, 52, lº.
Lisboa, 20 de Junho de 1923.
Exmo. Senhor Dr. João de Castro,
LISBOA.
Em confirmação, e seguimento concreto, da conversa que ontem tivemos, venho apresentar-lhe, esclarecendo-a, a proposta, que fiz, para a tradução das principais obras de Shakespeare, assim como de outras obras, de menor extensão e vulto, porém de igual novidade — pelo menos quanto à forma de traduzir — para os públicos que falam português.
De Shakespeare proponho-me traduzir, por enquanto, as seguintes dez peças: «A Tormenta», «Hamlet, Príncipe da Dinamarca», «O Rei Lear», «Macbeth», «Othello», «António e Cleópatra», «O Mercador de Veneza», «Sonho de uma Noite de Verão», e duas outras, sobre cuja escolha não estou ainda decidido, mas que serão provavelmente o «Coriolano» e a comédia «Como quiserdes».
As outras traduções, de que lhe falei, deveriam pertencer a uma colecção de pequenos livros, uniformes no formato, no aspecto e no preço, subordinada ao intuito de fazer conhecidos do público português, em selectas resumidas, os principais poetas e prosadores estrangeiros de que ele, por enquanto, pouco mais conhece que os nomes. Para essa colecção, cujo âmbito geral — que vagamente lhe indiquei — naturalmente transcende a possibilidade da minha colaboração exclusiva, eu traduziria, por exemplo, os «principais poemas» de Edgar Poe, de Robert Browning, de Wordsworth, de Coleridge, de Mathew Arnold, de Shelley, de Keats, e, em volumes de conjunto, dos poetas menores da Restauração inglesa (Sedley, Suckling, Lovelace, etc.) e da época vitoriana em seu fim (O'Shaughmsay, Dowson, Lionel Johnson, e outros).
Quer para as traduções de Shakespeare, quer para estas, é o mesmo o meu critério de tradutor — transpor para português tanto o espírito, como a essência da letra, da obra.
Das traduções de Shakespeare comprometo-me a entregar uma peça por trimestre; das outras um livro cada dois meses.
Quanto ao preço, por que seriam pagas estas traduções, creio que o único sistema a adoptar é o sistema das «royalties», como se aplica às traduções d'este género. Esse sistema é o mais justo para ambas as partes e ajusta-se por natureza a todas as flutuações de preços de livros e de cálculos da sua produção.
Proponho, pois, nesta orientação, que tanto umas como outras traduções me sejam pagas pela mesma tabela — vinte por cento do preço de capa, na ocasião da entrega do manuscrito da tradução; e isto não deve ser de cálculo difícil, pois que a editoria por certo sabe a quanto vai vender o exemplar ao público, e de quantos exemplares vai fazer a tiragem.
Pedi ainda, numa espécie de postscripto à minha proposta, tal como primeiro verbalmente a fiz por intermédio do sr. Geraldo Coelho de Jesus, que, por conta d'estas traduções me fosse abonada, até ao fim do mês de Junho corrente, a quantia de dois mil escudos. Como tenho prontas, e sujeitas apenas à necessária revisão final, a tradução de «A Tormenta» de Shakespeare e a dos «Principais Poemas» de Edgar Poe, tendo adiantada a dos «Principais Poemas» de Robert Browning, não tardará muito que a entrega dos manuscritos equilibre o adiantamento que peço. Acresce que, de aqui a não muito tempo, terei pronta também a tradução do «Hamlet».
É esta proposta, desdobramento e concretização do que verbalmente tratámos, que peço o favor de transmitir oficialmente à editoria de que é gerente e sócio.
Agradecendo-o antecipadamente, subscrevo-me, com a maior consideração.
De V. Exa.
Mto. Atto. e Obgdo.
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
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