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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

O defeito, a fraqueza, do sebastianismo tradicional…

O defeito, a fraqueza, do sebastianismo tradicional reside, não em ele, senão em a deficiência e a fraqueza de seus intérpretes. Ignorantes, decadentes, ensinados a crer pelo espírito católico, esperavam de fora o Encoberto, aguardavam inertes a salvação externa. O Encoberto, porém, é um conceito nosso; para que venha, é preciso que o façamos aparecer, que o criemos em nós através de nós. É com ânsia quotidiana, com uma vontade de hora a hora, que em nossa alma o devemos erguer, de ali o projectando para o mundo chamado externo (também outra nossa criação).

O Encoberto é o representante máximo do Quinto Império; é o emissário máximo das forças espirituais que hão-de criar tal Império. Como podemos esperar que ele venha se não criamos primeiro as forças que, por sua vez, a ele o hão-de criar?

E essas forças são a ânsia de domínio, e a tensão de todas as potências da alma em torno d'essa ânsia. Deve cada um de nós fazer por em si realizar o máximo que pode de semelhante ao Desejado. A soma, a confluência, a síntese por assim dizer carnal d'essas ânsias será a pessoa do Encoberto.

Não há homens salvadores. Não há Messias. O máximo que um grande homem pode ser é um estimulador de almas, um despertador de energias alheias. Salvar um homem a um povo inteiro — como o poderá fazer, se esse povo inteiro não fizer por salvar-se — isto é, se esse povo inteiro não quiser ser salvo? «Obra tu a tua salvação» diz S. Paulo; e o grande homem é aquele que mais profundamente compelir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação.

s.d.

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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N. do A.: «Bandarra».