As duas origens do erro são atribuir ao Objecto, à Realidade,
As duas origens do erro são atribuir ao Objecto, à Realidade, 1º os atributos do Sujeito, da Consciência, 2º os atributos da Relação.
Assim, quando se atribui infinidade ao mundo, atribui-se-lhe um atributo da Consciência, e a Consciência tem esse atributo em virtude de oposição à Realidade. Cada coisa é finita; a Consciência, sendo oposta a cada coisa, tem-se por infinita; atribui à soma (?) das coisas essa infinidade sua.
Número / ¥ = 0
Número / 0 = ¥
Qualquer número não é finitamente divisível; também não é infinitamente divisível, pois nesse caso dava zero. Por isso o número não é divisível.
Os números não são em número finito, nem em número infinito. Não são em número finito, porque isso é inconcebível e repugna ao próprio conceito de número; não são em número infinito porque o infinito não se adapta ao Real — (?) Por isso os números não são números.
O que são então?
Os números existem, mas não em relação uns com os outros. Atribuímos à pluralidade das coisas uma sensação, isto é, um elemento racional; atribuímos-lhes uma relação, que é um erro derivado de transpor o conceito abstracto de Relação para a Realidade. — A mesma coisa acontece se transpusermos para a R[ealidade] o conceito concreto de Relação, que é o movimento.
Dividimos os conceitos primordiais em ser e não-ser. Todos os conceitos assim se formam, por dois a dois, um derivado da R[ealidade], outro da C[onsciência]. A abstracção da R[ealidade] é o Ser, a abstracção da C[onsciência], isto é, da não-realidade, é o Não-Ser. (Não é ser [...] no Budismo, estar na Consciência Absoluta é estar no absoluto Não-Ser). Mas, se coisarmos estes conceitos, ainda que abstractamente, temos o seguinte resultado: atribuímos Realidade ao Não-Ser. Ora «não-ser» só tem «realidade» como conceito lógico.
O que é infinito é a Possibilidade.
O infinito é uma alucinação da inteligência.
A R[ealida]de não é Una, porque a ideia de unidade vem da C[onsciência], sendo unidade indefinida; e de cada coisa, é realidade definida. A Realidade não é plural.
Quando dizemos que 1 e 18 estão à mesma distância do infinito, consideramos o infinito como um ponto.
Na geometria, vem uma linha prolongada até ao infinito. Num plano, o prolongamento de uma linha até ao infinito, quer dizer o seu prolongamento absoluto, sem o qual não há mais. (Mas o seu prolongamento absoluto quer dizer o seu prolongamento em direcção absoluta).
Prolongada até ao infinito dos dois lados, estes dois lados tocam-se, porque ambos estão no mesmo «ponto» — o infinito. Estes lados, portanto, encontram-se. A linha, portanto, desde que seja infinitamente prolongada, torna-se um círculo. Desse círculo, a linha, que nós vemos, é parte da circunferência. Essa circunferência não pode ser infinita, porque, sendo essa linha parte da circunferência, e sendo qualquer parte do infinito infinita, ela não é infinita.
Para prolongar uma recta até ao infinito, era preciso um tempo infinito. O prolongamento não é portanto dado como realmente, mas como teoricamente, possível. Elimina-se o conceito de tempo, e é possível o espaço infinito.
Semelhantemente, eliminando o conceito de espaço, é possível (concebível) o tempo infinito. (?)
Os números só podem ser tidos por esse número infinito.
(A Realidade não é nem una, nem plural, mas diversa. Cada número não difere de outro relacionalmente (por quantidade, qualidade ou posição) — pois isso implicaria atribuir à Realidade a Relação (erro de transposição). Cada número difere de outro entitivamente, formalmente, materialmente, (como matéria), como um triângulo difere de cão encarnado entre ideias abstractas.
1 não difere de 2 por estar antes ou depois ou por ser notado. A coisa a que chamamos 1 é que difere da coisa a que chamamos 2, por outridade.
Mas quando 2 coisas diferem uma da outra em virtude de outridade absoluta , não podemos relacioná-las senão contradizendo essa outridade absoluta já posta.
Partindo desta tese:
Uma coisa, como tal, é absolutamente outra.
Suponha-se (outra vez) essa coisa infinitamente divisível. Cada ´parteª (dessa divisão infinita) é zero. Mas como aqui o conceito não é de número mas de outridade (nesse caso não se aplica o c[onceito] de divisibilidade? ex.), cada parte, sendo zero, é não-outridade, isto é, é identidade. Mas identidade com quê? Com outra coisa? Não; porque cada coisa é outra em relação a outra. Com a própria coisa dividida infinitamente? Não, porque isso seria não a dividir. Mas como cada coisa é outra, e uma parte é uma coisa (e esta não existe, e não é parte nem nada), essa parte zero, é zero da coisa dividida, isto é, é essa coisa permanecendo tal qual é, mas diferente e assim se vê que a identidade é com as outras partes dessa coisa.
Assim, uma coisa é 2 em virtude de não ser 1, 4 ou outro número qualquer, não em virtude de duas vezes 1, ou metade de 4. Por isso 2, concebido como infinitamente divisível é extra-aritmético. É infinitamente divisível, em cada parte, sendo 0 esse número, é 0 da divisão de 2: é portanto um zero de qualquer 2. É uma coisa que não existe, ou participe de 2; que não existe senão em relação ao 2. Não é um número, isto é (visto que aqui os números são as «realidades») não é uma realidade, mas é um 2.
Suponhamos duas coisas; estas coisas, são 2 não em virtude de serem coisas, mas em virtude de serem 2.
Não importa o que são; importa só que são 2 (duas). Como realidade, portanto, este 2 que elas são, não existe; mas existe (...)
Vejamos se nisto há correspondência com o que acima se disse. Este 2 é 2 porque o é; porque não existe, é zero. Tem aqui, portanto, uma parte infinitesimal numa das tais partes infinitésimas, de 2.
Em vez de 2 ponhamos «brancura». A neve em certo mármore tem de neve a brancura, que não é a brancura que tem a neve em a brancura que tem o mármore mármore.
Ora o 2 indivisível é o 2 que é só 2. Ora há só um 2 que é só 2. Há só uma brancura que é só brancura. É o 2, e a brancura.
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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