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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

I - Os seres, objectos, ou figuras, a que chamamos exteriores,

                I

Os seres, objectos, ou figuras, a que chamamos exteriores, manifestam-se à nossa sensibilidade, primeiro, como formas; segundo, como grandezas; terceiro, como em movimento ou em repouso. Assim os concebemos, porque os sentimos, a todos — não menos o muito pequeno que o muito grande, tanto a árvore como sua sombra.

                II

As condições, quaisquer que em sua essência sejam, da sensibilidade obrigam a que nada possamos conceber de exterior, que não com estas três características, e com elas todas juntas. O que vemos, ou concebemos ou imaginamos visível, força é que tenha uma forma, que assuma uma grandeza, que esteja parado ou movendo-se. Porém, pela operação mental, a que se chama abstracção, arbitrariamente separamos umas das outras estas 3 condições da apresentação externa dos seres, e, assim, arbitrariamente separadas e considerada cada uma de per si, forçosamente a concebemos abstracta em sua própria natureza, pois que, separando-a das outras a destituímos do seu carácter concreto que reside em estar junta a elas. E, como é por esta operação da mente que construímos a ciência, são três as ciências abstractas do exterior que daqui nos provêm. Da forma considerada per si, tiramos a ciência chamada geometria, com suas diferentes subdivisões. Da grandeza, considerada per si, e portanto como múltipla (pois não há grandeza senão comparada, nem comparação onde houver só unidade), como diversa (pois que não haveria grandeza onde não houvesse senão multiplicidade de iguais) e como relativa (pois conforme a grandeza que escolhemos, ou a que estamos habituados, medimos os outros ou todos), construímos a ciência dos números, das variações e das relações, a que chamamos álgebra ou aritmética, ou numerologia. Da consideração de que um corpo está parado ou movendo-se extraímos a dinâmica, com suas subdivisões várias — a ciência do movimento e das condições dele.

                III

Considerando porém qualquer objecto externo não como ente abstracto analítico ao mesmo tempo fictício, inevitável e necessário, senão como abstracção sintética, procurando vê-lo, não na essência dos seus elementos componentes, senão na essência dele mesmo, composto, veremos que, de qualquer ser, objecto, ou figura [...] bastará que digamos, para defini-lo, que ocupam espaço, e que há outros que ocupam espaço. Do ocupar espaço lhe provém a forma, pois pela forma se define para nós a sua ocupação de espaço; de ocupar espaço lhe provém o termos que concebê-lo em movimento ou em repouso, pois, aparte o volume que se define imediatamente pela forma, não há ocupação do espaço sem o movimento, e o repouso não é mais que o movimento. [...]

Em outras palavras: a extensão e o número são as consubstâncias do objecto exterior. E, visto que assim é, chamamos coextenso ao próprio objecto externo, ou espacial; definimos coexistente: qualquer ser externo, objecto, ou figura espacial concebendo que não é o único ser, objecto ou figura espacial.

                IV

Desde que consideramos um coexistente como ocupando espaço, e como não sendo o único a ocupar espaço, implicitamente admitimos, primeiro que há espaço que ele não ocupa; segundo, que outros que não são ele. E não querendo nós, ou porventura não podendo mesmo, saber o que é espaço, ou quanto espaço há, nem que actos coexistem lá, e portanto são; mas sabemos tão-somente, que há espaço, e que há outros coexistentes; diremos, figurando por A um coexistente próprio, por S o espaço que liga, e por T o total dos coexistentes todos, que fora do coexistente A há um espaço S-A, e além do coexistente A há T-A coexistentes.

Chamaremos convenientemente ao valor S-A o antiespaço do coexistente A, e ao valor T-A o seu antinúmero.

As especulações, que constituem a substância do opúsculo presente, são, por assim dizer, páginas médias arrancadas de um estudo mais vasto, em que mais perfeitamente profundam, ou buscam profundar-se, os elementos constitutivos da realidade física.

s.d.

Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.

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