UMA TEORIA MATERIALISTA
UMA TEORIA MATERIALISTA
Para se poder conceber a infinita divisibilidade da matéria, é insuficiente que e]a se conceba em pensamento. O que o pensamento concebe como infinitamente divisível não é a matéria, é a ideia abstracta de matéria. Desde o momento que conceba a divisibilidade da matéria tem de se conceber um ente que divide e um instrumento com que se divide.
Para conceber pois, propriamente, a infinita divisibilidade da matéria, temos que conceber ou um indivíduo dividor que num tempo limitado dividisse a matéria infinitamente, ou um instrumento infinitamente perfeito pelo qual essa divisão infinita se fizesse (excluída que fosse, para pôr o problema no seu devido campo, a ideia de tempo). Ora isto é impossível.
Igualmente inconcebível é o infinito do tempo e do espaço como realidade. Desde o momento que se supõe o espaço infinito, fica posto este problema: dois pontos separados nesse espaço são equidistantes do limite (infinito) desse espaço; são portanto coincidentes. Por isso ou não existem lugares, e então não há espaço, ou isso é impossível, e, então, o espaço não é infinito.
Com o tempo, o mesmo se dá. Dois momentos do tempo estão à mesma distância do princípio inexistente (suposto tal) do tempo. São portanto o mesmo momento. Mas se dois momentos diferentes são o mesmo, nada decorreu, não há portanto Tempo.
A verdade é que em ambos os casos se substitui à ideia de tempo e de espaço, a ideia da ideia do tempo e do espaço, que em ambos os casos se considerou o espaço abstractamente, como não contendo lugares — o que viola a sua natureza essencial — e o tempo não contendo momentos, isto é, como não durando, o que é igualmente falso, e contra a própria noção de tempo. Tem se feito filosofia refractamente, não pensando as coisas, mas pensando os nossos pensamentos.
Quase como queria Spinoza, dum lado está o pensamento, do outro a matéria. Qualquer conceito matemático, como o que uma quantidade dividida por zero dá infinito, indica claramente que quantidade não é divisível, porquanto o divisível por qualquer coisa não pode nunca dar uma coisa maior que ela; e supondo que zero não divide realmente, nesse caso não há divisão.
X dividido por infinito dá zero indica claramente que X não é divisível por infinito, se tal divisão dá zero, isto é, nada, pois que uma coisa divisível por outra dá qualquer coisa; ou então X não é divisível por nada.
A matemática é uma ciência só dentro de si própria. Não é aplicável à realidade.
Causa — A ideia de que uma coisa é causa de outra implica (1) ou que A desaparece para dar B, e nesse caso permanece A e não desaparece, (2) ou A cria B e nesse caso não há causa mas criação absoluta, (3) ou A provoca B a existir sem o tirar nem do nada nem de si próprio. Então só o pode tirar de B; isto é, B já existia. Mas não pode A produzir B por um processo A — X = B? Ou então por um processo A plus X = B? No 1º caso não há causa, há subtracção, e no 2º soma, e também isso não é causa.
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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