[ Correntes Literárias ]
A — Disgénica da guerra
B — Ânsia de organização
C — Desencadeamento do revolucionarismo
Correntes: A contra B: decadentismo
A contra C:
A contra BC:
B contra A: neoclassicismo
B contra C:
B contra AC: neoclassicismo integral.
C contra A: neo-romantismo dinamista.
C contra B: neo-romantismo socializante
C contra AB: neo-romantismo por aparecer, reacção simultaneamente contra o espírito organizador e contra o espírito decadente.
As correntes neoclássicas serão provavelmente as mais fortes. Eu, poeta decadente, creio que assim será.
Como expressão da disgénica da guerra, aparecerão correntes ultra-decadentes, interpretativas do abatimento em que grande parte ficará. São três essas correntes, consoante reajam contra o espírito de organização, contra o espírito revolucionário, ou contra os dois simultaneamente. O primeiro tipo de decadentismo será uma continuação, diferente por novas individualizações apenas, daquela parte do decadentismo que representa uma revolta contra as regras, uma introspecção excessiva. O segundo tipo de decadentismo será uma continuação daquele tipo de decadentismo que mais se ocupa em criar uma indiferença aos problemas do meio do que em se entregar à introspecção propriamente. O primeiro partirá de Verlaine, como o segundo de Mallarmé ou dos chamados estetas ingleses, Pater ou Wilde. O terceiro tipo de decadentismo é que trará novidades; será uma exacerbação dos dois reunidos: qualquer prenúncio dele surgiu, de resto, já antes da guerra, na corrente portuguesa que veio [?] depois a manifestar-se em Orpheu.
Como expressão da ânsia de organização que a guerra deixaria de si, impressão europeia da cultura germânica, que é o facto psíquico central da guerra, teremos três correntes neoclássicas — uma oposta à expressão decadente, outra à expressão revolucionária, outra às duas juntas. A primeira, seguindo a esteira do vitalismo moderno, a segunda, indo nas pisadas do neoclassicismo francês contemporâneo, não apresentarão, salvo em individualidades que surjam, alguma novidade. A terceira, porém, aquela que trará em si uma dupla reacção, será qualquer coisa de mais completo e de mais forte, transcendendo imensamente as outras duas, mesmo que elas — até hoje tão frouxas — venham a revelar-se através de personalidades mais interessantes que os poetas astros que cercam a Action Française.
Finalmente, expressão do revolucionarismo intensificado da época, teremos uma corrente oposta ao decadentismo, que será a corrente nacionalista, já tão marcada; teremos, oposta propriamente ao espírito de organização, outra corrente, estilo «poesia social».
Poder-se-á estranhar a ausência, nesta enumeração, das correntes dinamistas, que partem de Walt Whitman — digo, as correntes futuristas, vorticistas, etc. O dinamismo é uma corrente decadente, e o elogio e a apoteose da força, que o caracteriza, é apenas aquela ânsia de sensações fortes, aquele entusiasmo excessivo pela saúde que sempre distinguiu certas espécies de decadentes.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
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