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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

1. Tudo o que existe é um facto mental, isto é, concebido;

1. Tudo o que existe é um facto mental, isto é, concebido ; o inconcebível, se o supomos existente, é que o concebemos como conceptível se bem que não por nós.

2. Visto que há coisas que concebemos como independentes do nosso concebê-las , por ex., os corpos exteriores — tudo quanto não é directamente sensação nossa, dada em nós e como só nossa, (distinguimos entre um objecto e a nossa ideia dele) — temos que conceber essas ideias como concebidas por outrem que não nós .

3. Visto que em todo o caso, sempre concebemos essas coisas, e as concebemos todas com certa semelhança, (começando por a semelhança de as concebermos extensas , e daí decrescentemente), o outrem que as concebe é qualquer coisa que está em todos nós.

4. Se está em todos nós é o que há de semelhante em todos nós; e o que há de profundamente semelhante em todos nós é o facto abstracto de conceber, a concepção em si.

5. A concepção em si, sendo presente em todos nós, é porém distinta de nós porque concebe coisas que nós, por nossa parte, concebemos como distintas de nós.

6. A concepção pura seria a realidade pura — isto é o absoluto exterior, assim como a nossa concepção relativa seria um exterior relativo — as nossas sensações, as nossas ideias.

7. Conceber é criar quando o concebido não passa de conceptor e se distingue dele sem se distinguir; tal como uma ideia nossa como ideia , que está no nosso espírito como nós, porque a não sentimos fora dele, mas ao mesmo tempo como não-nós, pois se sentimos como tal ideia, e não tal outro, como, nossa e não nós.

8. Criar, isto é, conceber uma coisa como em nós mas não nós, como nós sem ser nós, é concebê-la como feita da nossa própria substância conceptiva , sem ser essa mesma substância; ou, melhor, é concebê-la como sendo concepção sem o conceber .

9. A concepção em si, ao criar o que forma o não-nós, cria-o pois da sua própria substância , sem que ela seja essa substância. Ora como a substância da concepção em si (ver a nossa noção) é ser em si o que é criado por ela é em si também.

10. Como, porém, ao mesmo tempo esses objectos não são a concepção em si, sendo todavia em si, segue que são concebidos em si, o que tem ao mesmo tempo a substância da concepção em si, por ser em si, e não a tem, por ser concebido e não concepção.

11. Como também, ao mesmo tempo que a substância da concepção em si é ser em si, também é o ser concepção, segue que o que ele cria, em outra forma de o pensar é concepção não-em-si, o que tem ao mesmo tempo a substância da concepção e não a tem, por ser não-em-si e não em-si.

12. Segue pois, até agora, que o acto criativo da Concepção-em-si é duplo por natureza: cria tanto o Concebido-em-si, como a Concepção-em-si.

13. Além disto, porém, podemos, indo mais longe, considerar a substância da concepção em si como sendo concepção-em-si. O que será a concepção-em-si ou não é Concepção-em-si? [É a substância da Concepção-em-si distinta do ser concepção-em-si, isto é, para empregar um modo de dizer falso (porque entra nele uma como ideia de tempo, que lhe é necessariamente estranha), o conceber em si distinto do estar-concebido em si]. (Como concepção se opõe a concebido e em-si e não-em-si, a concepção em si que não é concepção em si — é o concebido não-em-si, porque, ao mesmo tempo que inteiramente se opõe à concepção em si, inteiramente lhe é idêntico, pois (...). Como a concepção em si cria, por tal ser, o concebido em si, e a concepção não-em-si; e como estes dois criados são tudo quanto a concepção cria e pode criar; e como, na concepção em si, ser é criar, segue que a concepção em si é idêntica a esses seus dois criados, pois tudo quanto cria é tudo quanto ela é, e tudo quanto ela é concepção em si.

O ser concepção em si é ser não só concepção e não só em-si. Não é só concepção porque é em-si, não é só em-si porque é concepção. A concepção-em-si cria, pois, ao mesmo tempo , a concepção e o em-si . Como, porém, não é concepção em si senão que na concepção e em-si, segue que esta criação — a primeira, (...) por assim dizer — é uma criação-não-criação, pois no próprio facto de ser concepção-em-si ela se cria concepção-em-si — em outras palavras, ela, a concepção-em-si, se cria conceber e ser.

14. A esta criação sem criação, conhece-a a especulação pela Trindade Divina. A concepção-em-si, chamada o Espírito Santo; a Concepção, a chamada Pai; o Ser o chamado Filho. São três sem distinções, em pura e Santa Unidade. Não pode ser concepção sem ser em-si porque esta não seria concepção; não pode ser em si sem ser.

s.d.

Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.

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