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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

Na baixa política está bem.

Na baixa política está bem. Para ser baixamente político basta saber intrujar os outros, e a ciência é completa quando o indivíduo sabe começar por intrujar-se a si mesmo. Para isso basta uma mentalidade confusa, uma vaidade acentuada, a capacidade de falar muito sem dizer nada. Basta não raciocinar, porque o raciocínio dissolve as qualidades de afirmação dogmática que são necessárias para dominar o espírito confuso e místico do povo.

(Histero-epilepsia de C. L.)

Ainda um indivíduo tão intensamente bem-dotado como o Sr. Oliveira Salazar, é estreitamente bem-dotado, e não passa de um especialista — apto, posso admitir, para governar nos limites da sua especialidade, que é a ciência financeira, mas não na falta de limites da generalidade do governo. E o mal, aqui, não é que o Sr. Oliveira Salazar seja ministro das finanças, para o que concedo que esteja certo, mas ministro de tudo, o que é mais duvidoso.

Acresce que o especialista, se não tem ideias gerais a corrigir não só as ideias particulares — forçosamente inaplicáveis fora do próprio campo — da sua especialidade, mas a própria estreiteza mental que procede da especialização, levará para qualquer problema geral em que se deixe cair, não só a incompetência da especialização, mas a inaptidão da imaleabilidade.

O Sr. Oliveira Salazar é, sem dúvida, mais alguma coisa que um financeiro. Infelizmente o que ele é mais é católico, e, de todas as coisas estranhas a uma especialidade, uma religião fechada, dogmática e intolerante é a pior para corrigir os defeitos da especialização, pela simples razão que os não corrige. Antes os reforça e alarga, dando-lhes uma base espiritual que os radica.

— Seara Nova. E que fizeram? D. dos S., o mais triste exemplo do acéfalo com cabeça que existe na já acentuada acefalia mental dos nossos políticos.

Para eles a democracia não é uma doutrina a analisar, a condicionar para que se aplique: é um dogma a repisar para si mesmos, um yo-yo mental.

s.d.

Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

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