DIÁLOGOS FILOSÓFICOS
DIÁLOGOS FILOSÓFICOS
A . Dos 9 argumentos conhecidos para provar a existência de Deus, prefiro decididamente o décimo.
B . Qual é o décimo?
A . Este. É muito simples. Toda a coisa é efeito de uma causa. O mundo é uma coisa; é portanto um efeito. Existe portanto uma Causa do Mundo.
B . Essa trapalhada simples que vale? Não vale nada. Sem irmos mais longe, responda-me: porque não há-de ser o mundo uma causa e não um efeito? O que é que o estampa ser um efeito e não uma causa? O ser uma coisa. Então uma causa não é uma coisa ? — A propósito, que sentido têm as palavras «efeito» e «causa»?
A . Chamo causa àquele elemento activo sem o qual uma coisa qualquer não existiria. Digo activo , porque, por exemplo, um prédio não podia existir sem o terreno onde é construído; e o terreno, todavia, não é a causa, (ou sequer uma causa, admitindo que haja multiplicidade de causas) do prédio.
B . Lembra v. quem com essa palavra «activo»? Isso alarga a discussão. Abre-a, propriamente. Vejamos: o Efeito é activo? ou é-o só a causa? A actividade é atributo essencial de um ou (ou é) do outro?
A . Não, vamos indo demasiado depressa. Detenhamo-nos em ver o que é causa, o que é efeito. Vou pela rua, um matulão esbarra comigo, dá-me de propósito um encontrão, descomponho-o, ele insulta-me, parto-lhe a cara. Vejamos as causas aqui: a causa de eu lhe partir a cara é (em termos a resolução de o fazer; a causa de eu ter a r[esolução] de o fazer é) o ele ter-me insultado; a causa de ele me ter insultado é o eu o ter descomposto; a causa de eu o ter descomposto é ele ter-me dado o encontrão; a causa de ele ter-me dado o encontrão é o ter-me visto, naturalmente. [...]
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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