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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Bernardo Soares

Ouvia-me lendo os meus versos — que nesse dia lia,

Ouvia-me lendo os meus versos — que nesse dia lia, porque me distraía — e disse-me, com a simplicidade de uma lei natural: «Você, assim, e com outra cara, seria um grande fascinador.» A palavra «cara», mais que a referência que continha, ergueu-me de mim pela gola do que me não conheço. Vi no espelho do meu quarto o meu pobre rosto de mendigo na pobreza; e de repente o espelho virou-se e o espectro da Rua dos Douradores abriu-se diante de mim como um nirvana de carteiras.

A acuidade das minhas sensações chega a ser uma doença que me é alheia. Sofre-a antes de quem eu sou, a parte doente porque verdadeiramente sinto como em dependência de uma maior capacidade de sentir. Sou como um tecido especial, ou até uma célula sobre a qual pesasse toda a responsabilidade de um organismo.

Se penso é porque divago; se sonho é porque estou desperto Todo esse mim se embrulha comigo, e não tem forma de saber de ser.

s.d.

Livro do Desassossego. Vol.II. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1990.

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"Fase confessional", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol II. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.