ASPECTOS [b]
A série, ou colecção, de livros, cuja publicação com a destes se inicia, representa, não um processo novo em literatura, mas uma maneira nova de empregar um processo já antigo.
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Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade.
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A confecção destas obras não manifesta um qualquer estado de opinião metafísica. Quero dizer: com o escrever estes «aspectos» da realidade, totalizados em pessoas que os tivessem, não pretendo uma filosofia que insinue que só há de real o haver aspectos de uma realidade ou elusiva, ou inexistente. Não tenho, nem essa crença filosófica, nem a crença filosófica contrária. Adentro do meu mester, que é literário, sou um profissional, no sentido superior que o termo tem; isto é, sou um trabalhador científico, que a si não permite que tenha opiniões estranhas à especialização literária, a que se entrega. E o não ter nem esta, nem aquela, opinião filosófica a propósito da confecção destas pessoas-livros, tão pouco deve induzir a crer que sou um céptico. A questão está num plano onde a especulação metafísica, porque não entra legitimamente, escusa de ter estes, ou aqueles caracteres. Como o físico não tem metafísica no seu laboratório, e a não tem o clínico nos diagnósticos que faça, [?] não porque a não possa ter, mas porque (...)assim o problema metafísico meu não existe, porque não pode, nem tem que existir adentro das capas destes meus livros de outros.
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966.
- 100.[Prefácio para a edição projectada das suas obras]