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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

— O raciocinador, se é deveras um raciocinador,

— O raciocinador, se é deveras um raciocinador, tem o escrúpulo da abstracção, o escrúpulo de eliminar o mais possível a sua personalidade. Tem isto naturalmente, porque é raciocinador por temperamento e não por vontade. Mas, se é este, na verdade, o caminho próprio do raciocínio, às vezes é o caminho impróprio. O raciocinador elimina as intuições, e faz bem; mas às vezes as intuições são certas e nesse caso fez mal. O raciocinador elimina os preconceitos do temperamento ou de profissão, e assim deve fazer; mas às vezes esses preconceitos levá-lo-iam pelo bom caminho, e, quando os abandona, abandona também esse bom caminho. Aqui o Abílio , quando raciocina, tenta converter-se, espontaneamente, numa máquina de raciocinar. Despe o Abílio, despe o Fernandes, despe o Quaresma; despe o ter quarenta e tantos anos — quarenta e oito, não é?...

Quaresma cabeceou que sim.

— ... Despe o ser médico, despe o morar na Rua dos Fanqueiros — em resumo, meus senhores, separa-se de tudo isso. Ora neste caso procedeu como em todos os outros, e numa coisa fez mal. Fez mal em se esquecer que era médico. Se lhe tivesse passado pela cabeça — o que não podia ter acontecido — que a Janela estreita podia ser considerada do ponto de vista médico, a solução estaria à mão, à mãozíssima, como diria um garoto que conheci há muito tempo.

— Mas — atalhou Guedes — como é que uma janela estreita pode ser considerada sob um ponto de vista médico?

— Como fenómeno de simulação ou ficção histérica.

s.d.

Ficção e Teatro. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986

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«O Caso da Janela Estreita». 1ª publ. in A Novela Policial-Dedutiva em Fernando Pessoa . Fernando Luso Soares. Lisboa: Diabril, 1976