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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

[2] – Só o posso fazer pondo a mão no verdadeiro criminoso.

— Só o posso fazer pondo a mão no verdadeiro criminoso.

— Então faça-o, Sr. Dr. Quaresma.

Quaresma desdobrou as mãos, estendeu a dextra e tocou-me no ombro. Por fim, levantou-se da cadeira, e dirigiu-se para um cabide onde tinha o chapéu.

— Não se importa que saíssemos? — perguntou. — Queria passear um pouco para acabar uns certos raciocínios.

— Não me importo nada. — E saímos.

Descemos a Rua dos Fanqueiros. Estava uma tarde linda de Outono. Seguimos lado a lado, silenciosos ambos, e, no fim da rua, seguindo o movimento do Dr. Quaresma, virámos à direita, para o Terreiro do Paço. O Dr. Quaresma avançou lentamente, cabisbaixo, as mãos sempre cruzadas atrás das costas, até à muralha da esquerda. Ali parou, e eu com ele, e contemplou vagamente o rio. Esteve assim um momento. Depois voltou-se para mim com uma expressão grave e directa nos olhos naturalmente um pouco febris.

— Eu salvo o José Algarvio — disse. — Mas, antes de o fazer, preciso estudar com muito cuidado como hei-de proceder no assunto. Calhou muito bem que fosse o Sr. Claro que me procurasse, porque é consigo que eu tenho estudar a sério a resolução do assunto. Diga-me uma coisa: ocorreu-lhe alguma vez que o José Alves pudesse ser suspeito?

— Se me ocorreu? Não. Como sabe o Sr. Dr. Quaresma que ele é, ou pode ser suspeito?

— Concluí das palavras que o Sr. Claro me não disse. — Fez uma pausa. — Teria pena que o senhor tivesse pensado que o José Alves pudesse ser suspeito. Ele é o seu amigo, não é verdade?

s.d.

Ficção e Teatro. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986

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«O Roubo na Quinta das Vinhas». 1ª publ. in A Novela Policial-Dedutiva em Fernando Pessoa . Fernando Luso Soares. Lisboa: Diabril, 1976