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OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Fernando Pessoa

SIM, É O ESTADO NOVO

SIM, É O ESTADO NOVO

Sim, é o Estado Novo, e o povo

Ouviu, leu e assentiu.

Sim, isto é um Estado Novo

Pois é um estado de coisas

Que nunca antes se viu.

Em tudo paira a alegria

E, de tão íntima que é,

Como Deus na Teologia

Ela existe em toda a parte

E em parte alguma se vê.

Há estradas, e a grande Estrada

Que a tradição ao porvir

Liga, branca e orçamentada,

E vai de onde ninguém parte

Para onde ninguém quer ir.

Há portos, e o porto-maca

Onde vem doente o cais.

Sim, mas nunca ali atraca

O Paquete "Portugal"

Pois tem calado de mais.

Há esquadra... Só um tolo o cala,

Que a inteligência, propícia

A achar, sabe que, se fala,

Desde logo encontra a esquadra:

É uma esquadra de polícia.

Visão grande! Ódio à minúscula!

Nem para prová-la tal

Tem alguém que ficar triste:

União Nacional existe

Mas não união nacional.

E o Império? Vasto caminho

Onde os que o poder despeja

Conduzirão com carinho

A civilização cristã,

Que ninguém sabe o que seja.

Com directrizes à arte

Reata-se a tradição,

E juntam-se Apolo e Marte

No Teatro Nacional

Que é onde era a inquisição.

E a fé dos nossos maiores?

Forma-a impoluta o consórcio

Entre os padres e os doutores.

Casados o Erro e a Fraude

Já não pode haver divórcio.

Que a fé seja sempre viva.

Porque a esperança não é vã!

A fome corporativa

É derrotismo. Alegria!

Hoje o almoço é amanhã.

s.d.

Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.

 - p. 347.

1ª publ. in Diário Popular , Lisboa, 30 Maio e 6 Junho 1974