O PAGANISMO SUPERIOR [a]
O PAGANISMO SUPERIOR
O fenómeno chamado cristianismo derivou da junção de três tendências inteiramente diversas e que só a circunstância exteriormente unificadora de existirem adentro do Império Romano conseguiu jungir em uma só.
(1) A interiorização do paganismo, isto é, a espiritualização do helenismo;
(2) A emergência extrajudaica do monoteísmo judeu;
(3) A influência cosmopolita do império romano.
(1) O paganismo helénico tem duas feições: a exotérica, que é a do mito popular e admite os deuses, objectivista, patente, consoante o são todas as manifestações populares, e, sobretudo, todas as manifestações do espírito grego; e a esotérica, que o heleno aprendia apenas nos mistérios, a parte oculta do paganismo, ligada intimamente — mais mesmo que a parte aparente e normal — aos velhos cultos e sacerdócios do Egipto e do Oriente indefinido.
Em Pitágoras emerge, afirma-se em Platão, este esoterismo pagão. Porque emerge? Porque o espírito da filosofia pagã começou da limitação objectivista. Desceu às cavernas das iniciações. Abriu portas insuspeitas no mistério da alma humana.
O adoecimento do espírito objectivo.
O sincretismo helénico, o carácter sintético do paganismo devia complicar-se . Tendo começado por admitir todos os deuses, devia, interiorizando-se, acabar por admitir todas as ideias de deuses.
Assim, (...), no seu paganismo fundamental, o cristianismo é um paganismo de três dimensões, não só externo mas também interno; não só admissor dos deuses de todas as crenças, mas aperfeiçoador de todas as crenças.
É isto o paganismo superior.
(2) O judaísmo, ao mesmo tempo que põe a força fixadora, põe a força desvirtuada de Cristo. Na sua essência útil e vital, o cristianismo é um paganismo interiorizado, um paganismo completo, um politeísmo de dentro.
Mas, com a outra alma, o altropsiquismo dos cultos orientais, o psiquismo superior foi buscar o monoteísmo judaico, mortal para a própria essência do paganismo porque exclusivista e fechado.
Tanto assim que toda a renascença ideativa cristã é uma renascença ao mesmo tempo pagã e platonista. Os dois aspectos acompanham toda a renascença, porque são o mesmo: um é a essência, outro a consequência. Há duas renascenças ideativas adentro do cristianismo: a renascença e o romantismo.
Em ambos o paganismo é evidente e o platonismo também. É que um é a base, outro a sobrebase da força verdadeira do cristianismo.
Na sua essência, o cristianismo é um paganismo esotérico. Na sua desvirtuação, o cristianismo é um judaísmo degenerado, na sua forma exterior católica, o cristianismo é um império romano subjugado.
A libertação ocultista moderna serviu, provavelmente, os fins de trazer o cristianismo ao seu ponto são: o paganismo esotérico.
Para isso é preciso despir-se do culto judaico, isto é, do seu elemento moral, abolir o humanitarismo de Cristo, (...)
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Os Rosacruz, transmissores da velha tradição aristocrática adentro do ocultismo.
Textos Filosóficos . Vol. II. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968.
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