Quaisquer que sejam os defeitos que se possam apontar...
Quaisquer que sejam os defeitos, que se possam apontar com razão ou sem ela, ao fascismo, não pode ele ser acusado de plágio ou de subserviência a um mestre ou a um modelo. Bom ou mau, é gente. E isto o afirma um fenómeno da civilização, que não um espectáculo dos arredores e das províncias.
A hipnose do estrangeiro é um dos característicos distintivos das nações que não são senão províncias. A hipnose das cidades é outro sintoma de provincianismo. Tudo que se faz em Paris, por estúpido que seja, é motivo de gesto igual para os macacos da Europa.
Quando foi da guerra, como em França se constituísse uma coisa a que se chamou Union Sacrée, logo que os idiotas de cá simularam a mesma atitude não puderam deixar de simular também o mesmo nome — chamaram-lhe União Sagrada. Não tiveram invenção para mais. E, como houvesse uma (...), a idiotice correspondente passou a chamar-se Cruzada das Mulheres Portuguesas, como se não houvesse dicionário. Do mesmo modo, os parvos que arreatam a nossa proletariedade, como encontraram uma Confédération Générale du Travail já baptizada em França, não levaram a imaginação além de traduzir esse nome. Não queríamos que esses pseudo-homens buscassem conscientemente um nome português que para eles isto é a "região portuguesa" daquilo a que — com a ingenuidade natural em quem não sabe ler, mesmo não sendo analfabeto —, chamam a "humanidade". Mas gostávamos de ver o cérebro — até o cérebro deles — usado para mais que para equilibrar pelo peso o cabide natural do chapéu.
Com razão repugna à ciência a descrição teológica do homem como "animal racional". Para a maioria dos homens o cérebro é uma nova espécie de intestino cego, inútil salvo para custarem caras as operações da apendicite.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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