O tio Mussolini, como qualquer inglês com razão de queixa,
O tio Mussolini, como qualquer inglês com razão de queixa, escreveu uma carta ao Times. O duce não sabe inglês, nem, ao que parece, encontrou alguém que o soubesse responsavelmente entre os quarenta milhões de pessoas que compõem a sua pátria virtual e os três milhões que, pelo cômputo próprio, formam a sua pátria real.
A carta é notável, não pelas afirmações — que são do género das que poderia fazer o Sr. Lloyd George, ou o Sr. Briand, ou qualquer outro Afonso Costa —, mas pelo emprego saliente da palavra whereof , que quer dizer "de que". De relembrável nada mais diz o lictor.
O problema apresentado pelo fascismo é muito simples, e, na sua essência, não nos é, a nós portugueses, desconhecido. O povo italiano — que é de supor que o seja, e não fascista nem comunista — recebeu há anos, do lado direito da cara, a bofetada do comunismo. O fascismo, para o endireitar, deu-lhe uma bofetada, um pouco mais forte, do lado esquerdo. Não sabemos, nem temos meio de saber, se o povo italiano aprecia mais o ter ficado direito, ou neo-torto, ou as desvantagens faciais do processo empregado. E resta sempre saber, nesta matéria — como cada nova bofetada é sempre mais forte que a anterior, para poder endireitar —, em que altura é que pára a terapêutica equilibradora, e em que estado fica o equilibrado quando o Destino por fim, se cansa do tratamento.
Whereof...
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
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